Aquele que causa dano a outrem deve repará-lo. Essa é a interpretação extraída da leitura conjunta dos arts. 186 e 927 do Código Civil. A responsabilidade civil surge em razão do descumprimento de um dever jurídico/obrigação e é verificada quando presentes três elementos essenciais: o dano (patrimonial ou extrapatrimonial), o nexo de causalidade e a conduta ilícita (ação ou omissão).
Nada obstante, sob uma perspectiva constitucional, a responsabilidade civil não se limita apenas ao aspecto econômico, mas possui a pretensão de restaurar o equilíbrio rompido entre as relações sociais, prezando pela dignidade e proteção jurídica da pessoa humana.
Ademais, cabe salientar que a responsabilidade civil possui determinadas funções, das quais se destacam a garantia do direito ao lesado e a sanção civil do ofensor.[1] Isto é, busca-se, em essência, a reparação do dano sofrido.
Entretanto, há a necessidade de se aliar a finalidade punitiva à função pedagógica. Busca-se, com isso, a desmotivação social da conduta lesiva, na medida em que a repreensão tem como fundamento induzir as pessoas a compreender os princípios que norteiam o equilíbrio das relações social, e, como consequência, prevenir futuras perdas ou danos.[2]
É nesse contexto que se insere a regra de Hand, desenvolvida pelo Juiz Learned Hand na ocasião do julgamento do caso United States vs. Carroll Towing Company.[3] Ao apreciar o caso, o juiz invocou elementos da Análise Econômica do Direito (AED) para aferir a culpa do causador do dano, dispondo, em síntese, que “a responsabilidade depende de que os gastos com os cuidados sejam menores que a probabilidade da lesão multiplicada pelo valor do dano efetivo”.[4]
Por sua vez, importante notar que a abordagem econômica é útil ao Direito, uma vez que permite a previsão de eventuais consequências advindas das escolhas tomadas e, em última análise, facilita a realização de uma estrutura jurídica (entendida como um sistema de incentivos) voltada à eficiência.
Destaca-se, ainda, que os agentes econômicos tomam decisões com base nos custos e benefícios relacionados à escolha. No caso dos arts. 186 e 927 do Código Civil, esses são considerados como um preço, na medida em que se houver um dano, o agente deverá repará-lo.
Porém, se a responsabilidade civil não alcança as suas funções (acima detalhadas) o agente perceberá que os custos impostos pelo desrespeito à norma não são demasiadamente altos em relação aos benefícios de que pode desfrutar, sendo, então, mais vantajosa a não observação da norma.
Admite-se, portanto, que determinado dispositivo legal, ainda que vigente, possa ser deliberadamente ignorado pelo indivíduo.[5] Em outras palavras, a depender do caso concreto, a violação da norma pode compensar financeiramente. Podemos observar exemplos concretos disso, ao exemplo de setores econômicos que possuem altos níveis de reclamação, como a Telefonia.
Nesse sentido, deve-se abandonar o temor pela “indústria” do dano moral, que culmina na estigmatização daqueles que se socorrem na jurisdição para a reparação de danos sofridos, sendo claro que quando o Poder Judiciário deixa de apreciar os pedidos reparatórios, promove um incentivo tácito à prática de atos danosos.
Pelo exposto, podemos
concluir que ações indenizatórias possuem caráter ambivalente: além da
reparação pelo dano sofrido, observamos a aplicação de punição como ferramenta
de dissuasão de prática antijurídicas. Desse modo, se o custo oriundo do ato
ilícito é superior ao benefício que o agente pode possuir ao praticá-lo, a
aplicação da lei servirá como claro desincentivo.
[1] LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil, v. 2. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora RT, 2004, p. 428; No mesmo sentido, DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 25.
[2] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolf. Novo curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil, v. 3. 4. ed. rev. atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21.
[3] O caso envolveu a análise da existência
ou não de negligência contributiva da empresa Conners Company, a qual, ao
deixar uma embarcação carregada amarrada no píer da baia da Nova York, teria
dado causa ao rompimento das amarrações e à colisão de outras embarcações.
Destaca-se que a embarcação se soltou em virtude de movimentos bruscos feitos
por um navio rebocador da companhia
Carroll Towing Company. CABRAL, Flávio Garcia; REICHEL, Dafne. Breves
Considerações sobre a Fórmula de Hand e sua Aplicação à Responsabilidade dos
Agentes Públicos. Revista da
Procuradoria-Geral do Banco Central. Brasília, v. 11, n. 1, pp. 37-56, jun.
2017, p. 43.
[4] CABRAL, Flávio Garcia; REICHEL, Dafne. Breves Considerações sobre a Fórmula de Hand e sua Aplicação à Responsabilidade dos Agentes Públicos. Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central. Brasília, v. 11, n. 1, pp. 37-56, jun. 2017, p. 44.
[5] GICO JR., Ivo Teixeira. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, Brasília, v. 1, n. 1, p. 7-32, jan./jun. 2010.
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Integrante do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Coordenadora Adjunta do Grupo de Estudos Trabalhistas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pesquisadora de Iniciação Científica 2019-2020. Fundadora do NÔMA – Norma e Arte.
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