não posso pagar meu contrato

O pacta sunt servanda e a teoria do adimplemento substancial

Os princípios da boa-fé objetiva e da função social buscam a manutenção dos contratos, mesmo em caso de quitação parcial.

Os princípios da boa-fé objetiva e da função social buscam a manutenção dos contratos, mesmo em caso de quitação parcial.

O contrato é uma relação firmada entre pessoas, com consentimento tácito ou expresso, mediante a harmonia de vontades contrapostas e convergentes, a fim de de gerar obrigações e satisfazer os interesses econômicos dos indivíduos. O contrato está presente na vida cotidiana de todos, desde a compra de uma garrafa de água até a prestação de serviços hospitalares.

Esse instrumento gera segurança jurídica na medida em que confere às partes a certeza de que o inicialmente avençado será cumprido. Caso contrário, o credor poderá requerer judicialmente o cumprimento da obrigação, bem como a reparação por perdas e danos, nos termos do art. 475 do Código Civil.

Os acordos devem ser mantidos. Essa é a máxima do brocardo jurídico pacta sunt servanda, a partir do qual tem prevalência a autonomia privada negocial e a força obrigatória do contrato. Entretanto, sob a descodificação da legislação civil oriunda do advento da Constituição da República, os contratos passaram a priorizar a tutela da confiança, bem como a sua utilidade social.

Tendo isso em vista, a interpretação contratual deve levar em conta alguns princípios, tais como a função social e a boa-fé objetiva. É o que dispõe o art. 113, 421 e 422 do Código Civil. Ademais, destaca-se que, em razão da boa-fé objetiva que permeia as relações contratuais, surgem deveres anexos, como o de cooperação, colaboração e informação.

Esses princípios, por sua vez, são aplicáveis seja na fase pré-contratual, seja durante e pós-contratual, inclusive quando verificadas hipóteses de revisão ou resolução do negócio jurídico.

Nesse sentido, o desfecho natural de uma obrigação ocorre com o seu cumprimento.[1] A exceção é o inadimplemento, ou a quitação parcial do contrato, podendo ser total ou parcial, em razão de atuação culposa do devedor ou de fato não imputável a ele.[2]

Não havendo a quitação integral, a parte lesada poderá requerer a resolução do contrato ou exigir o seu cumprimento, conforme disposto no art. 475 do Código Civil. Entretanto, há casos em que o não cumprimento da prestação pode se revelar ínfimo ao ponto de que a resolução do avençado não seja a melhor opção às partes.

Isto é, trata-se de uma iniquidade desconstituir o vínculo contratual, reestabelecendo o status quo ante, em virtude de um inadimplemento parcial considerado diminuto.[3]

É nesse contexto que se insere a Teoria do Adimplemento Substancial, a qual é acolhida quando verificados dois critérios, quais sejam (i) a seriedade das consequências que de fato resultaram do descumprimento e; (ii) a importância que as partes aparentaram dar à cláusula pretensamente infringida.[4] Isso ocorre, por exemplo, nos casos de quitação parcial de um longo financiamento imobiliário em que, por alterações na capacidade econômica da compradora, as poucas parcelas remanescentes se tornaram excessivamente onerosas.

A aludida teoria, por sua vez, consiste na:

Impossibilidade da resolução do contrato nas ocasiões em que o pacto já esteja com uma considerável quantidade de parcelas quitadas, estando tal teoria consubstanciada nos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos.[5]

Assim, verifica-se a busca pela manutenção do contrato, por meio da Teoria do Adimplemento Substancial, ao prezar pela boa-fé e pela função social do contrato, levando em conta princípios tão caros à ordem civil-constitucional. Certamente isso se dá de modo excepcional: a obrigação remanescente deve ser diminuta e o interesse do inadimplente em preservar a relação anteriormente pactuada deve ser comprovado.

Afinal, é a quitação, não o inadimplemento, que deve ser substancial.


[1] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 167.

[2] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2008, 2008, p. 265.

[3] NAVAS, Bárbara Gomes. O abuso do direito de resolver: análise da teoria do adimplemento substancial no direito brasileiro. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 11/2017, p. 79-102, abr./jun. 2017, p. 6.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1215289/SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, j. em: 05/02/2013.

[5] PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 0003343-91.2008.8.16.0037, 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Lauri Caetano da Silva, j. em 14/03/2019.

Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Integrante do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Coordenadora Adjunta do Grupo de Estudos Trabalhistas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pesquisadora de Iniciação Científica 2019-2020. Fundadora do NÔMA – Norma e Arte.

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