Relações familiares, por natureza, são complexas. Marcada fortemente pelo sentimentalismo que as permeia, é comum que as decisões sobre o patrimônio familiar sejam eivadas pelas emoções, em detrimento da razão. Nessa toada, a sucessão patrimonial decorrente da perda de um ente familiar pode acabar se tornando uma prolongada batalha entre os membros sobreviventes, com um longo e (quase) interminável processo de inventário. O desfecho é sempre prejudicial para as relações envolvidas e para o próprio patrimônio.
Desse modo, desponta-se a importância de um panejamento sucessório e patrimonial, de modo a facilitar a organização e estruturação do patrimônio da família, bem como possibilitar uma sucessão ordenada dos bens deixados, evitando diversos conflitos que normalmente envolvem o núcleo família. Assim, o instituto da holding familiar se destaca como uma ferramenta adequada para estruturar o legado material, principalmente se comparada com o tradicional sistema de inventário.
O que é uma Holding Familiar?
O termo “holding” é derivado do verbo em inglês “to hold” e pode ser traduzida como: segurar, deter, manter, agarrar. Nas palavras de Gladston Mamede, holding consiste em “uma sociedade que detém participação societária em outra ou de outras sociedades, tenha sido constituída exclusivamente para isso, ou não”. Dessa forma, tem-se que a holding é um modelo empresarial criado justamente para centralizar o controle de algo, normalmente, outras empresas.
As holdings passaram a integrar o sistema jurídico brasileiro em 1976, com a Lei das Sociedades Anônimas, Lei n° 6.404/1976. Nos termos do seu artigo 2º, § 3º, tem-se que: “A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.” (BRASIL, 1976). De modo que se pode observar, desde já um dos seus principais benefícios, qual seja, a redução da carga tributária.
Uma holding pode se desenvolver e se apresentar de diversas formas diferentes, a depender do seu objetivo e com características próprias que as diferenciam entre si. A título de exemplo, existe a chamada “holding pura”, cujo único objetivo é controlar a titularidade de ação de uma ou mais sociedades. Já a chamada “mista”, por exemplo, caracteriza-se por deter, para além da participação societária, a gestão e contribuição na própria prática empresarial.
Ao se falar de holding familiar insta ressaltar que ela pode se dar em dois contextos: (i) quando a estrutura da empresa é utilizada por empresas familiares, isto é, grupos familiares que exercem a atividade empresária, de modo que os membros da família atuam ativamente na gestão e atividades empresariais; (ii) quando o patrimônio familiar é integralizado no capital da holding com o intuito de organizar e melhor administrar o patrimônio familiar.
Neste último caso, a holding familiar nasce de um esforço de planejamento estratégico, em que se almeja, principalmente, a proteção do patrimônio. Isso ocorre, pois, ao integralizar o patrimônio familiar no capital social da pessoa jurídica a ser criada, toda a organização e administração do patrimônio estará centralizada, facilitando a sua gestão. Para além, a holding familiar também carrega uma série de benefícios, especialmente fiscais.
Benefícios de uma Holding Familiar
Como visto, um dos principais benefícios da constituição de uma holding familiar é buscar a melhor gestão do patrimônio da família, evitando a dilapidação do patrimônio e os eventuais litígios, além de reduzir os custos e a morosidade de um processo de inventário. Juridicamente, afasta-se a incidência das normas de famílias e sucessões – vocacionadas para a afetividade – e se passa a aplicar o regime de direito comercial – a construído para a dinâmica das relações mercantis.
Tal como qualquer empresa, para a constituição da holding familiar, faz-se necessário a integralização do patrimônio familiar ao capital social da empresa. Nesse contexto, os sócios da holding são os próprios membros da família, gerando implicações diretas no relacionamento entre eles. Isso ocorre, pois “a constituição de uma holding familiar acaba por permitir o estabelecimento de normas comportamentais para os familiares no que diz respeito ao patrimônio titularizado pela sociedade” (MAMEDE, 2021). Nesse aspecto, a constituição de uma holding permite quebrar abarreira sentimentalista do convívio particular, permitindo estabelecer normas de convivência entre os sócios, familiares, pelo menos no que tange ao patrimônio integralizado na empresa.
Como dito, as relações que se encontravam submetidas ao Direito de Família passam a se submeter ao Direito Societário. Tem-se, então, a transmutação dos familiares em sócios e, com isso, o dever de manter uma conduta condizente à sua condição de sócio, o que implica em atuar visando o bem da sociedade e o seu sucesso, afastando os conflitos famílias do patrimônio familiar.
Outro benefício da holding familiar é a proteção contra terceiros. Assim, uma vez concentrados os títulos societários na holding, cria-se uma unidade das participações societárias, servindo de uma estratégia jurídica eficiente para enfrentar o risco de ataques de terceiros, uma vez que previne que a fragmentação entre os herdeiros afete o patrimônio familiar.
Para além, outro benefício importante de ressaltar, embora que delicado e desagradável, é a utilidade da constituição de holding familiares para a proteção do patrimônio familiar em face da desagregação da família, uma forte realidade atualmente. Assim, diante de um desfecho desagradável, como em um divórcio não amigável, é possível que um processo litigioso de separação acabe por depreciar o patrimônio. Nessa toada, a constituição de uma holding possibilita que os títulos societários sejam gravados com uma cláusula de incomunicabilidade, evitando que se tornem alvo de partilha em eventual divórcio ou separação.
Ademais, há de se destacar o principal benefício que atrai a constituição de holdings familiares: as vantagens financeiras. Isso se dá tendo em vista que, uma vez constituída a holding e concentrado o patrimônio familiar em uma pessoa jurídica familiar, tem-se uma significativa redução da carga tributária, em face da facilidade de um planejamento tributário, além da possibilidade do retorno de capital em forma de lucros e dividendos sem a tributação.
Por fim, tem-se as vantagens no que tange ao planejamento sucessório. Com a holding familiar, a cisão do patrimônio que fora integralizado se dará mediante a transferência das quotas (ou ações) societárias aos herdeiros, facilitando substancialmente a sucessão. Insta ressaltar, inclusive, a possibilidade de os responsáveis pela holding incluírem os herdeiros no quadro societário empresa, antes mesmo de ocorrer o eventual falecimento, possibilitando que eles já tenham acesso ao patrimônio.
Assim, a criação de uma holding familiar deve considerar, sobretudo, os aspectos que envolvem o patrimônio da família, e deve ser desenhada e estruturada pensando nas necessidades e individualidades de cada caso concreto analisado.
Conclusão
A holding familiar consiste em uma estrutura empresarial que deve ser desenhada e constituída para facilitar a vida e a sucessão da família. Contudo, por se tratar de um sistema empresarial, demanda um detalhado estudo jurídico prévio para averiguar a sua necessidade e adequação, uma vez necessita de cuidados específicos para evitar resultados desagradáveis. Assim, é importante ressaltar que a criação da holding familiar necessita ser orientada por um profissional especializado, que irá analisar a viabilidade e necessidade de sua criação, além de considerar as vantagens e desvantagens da operação para cada caso especificamente.
REFERÊNCIAS
Mamede, Gladston. Série Soluções Jurídicas – Holding Familiar e suas Vantagens. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2021. 9788597026900. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597026900/. Acesso em: 01 jul. 2022.
BRASIL, 1976. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 01 jul 2022.
Head de Privacidade e Proteção de Dados e Advogada do Consultivo no Martinelli & Guimarães Advocacia Contemporânea. Mestranda em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela PUCRS. Mentorada do 8º ciclo de Mentorias do Women in Law Mentoring (WLM). Membro da Direitoria de Articulação do WICADE (WIA-CADE). Membro da Associação Norte-Nordeste de Direito Econômico (ANNDE). Pesquisadora do Laboratório Internacional de Investigação em Transjuridicidade (LABIRINT). Bacharela em Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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Amanda Cavallarohttps://martinelliguimaraes.com.br/author/amanda-cavallaro/
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