Como se não bastassem as milhares de atribuições, o Provimento 88/2019 do CNJ conferiu aos cartórios extrajudiciais mais uma função na sociedade: a de agentes responsáveis por combater à corrupção.
O novo encargo foi editado ainda em outubro de 2019, mas que contou com uma vacatio legis de quatro meses para garantir a adaptação das serventias. Não por menos, considerando as drásticas mudanças aplicáveis a todos os tabeliães.
Neste artigo, abordaremos todas as alterações introduzidas pela referida normativa, dando especial atenção para os riscos que ora envolvem o diligente dever de notários e registradores.
Novas obrigações aos notários e registradores.
Na esteira dos exitosos programas de compliance das empresas privadas, também as serventias extrajudiciais passam a se preocupar com a cultura da integridade, voltadas ao cumprimento e a conformidade para com as regras, a ética e a moralidade.
Contudo, desde o Provimento 88/2019 do CNJ, a escolha em preservar a reputação e garantir a efetividade das normas deixou de ser uma liberalidade do cartório e passou a ser uma exigência.
Se por um lado o tabelião passa a atuar como um agente no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, por outro, tem o dever de fazê-lo, sob pena de ser responsabilizado. Como todo poder outorgado pela Administração Pública, trata-se de um poder-dever. Assim, para que esta função seja zelosamente cumprida, a referida norma estabeleceu diversas obrigações ao tabelião.
Primeiramente, cabem aos notários e registradores avaliar a existência de operações econômicas suspeitas, dada suas particularidades, comunicando à Unidade de Inteligência Financeira – UIF (antigo Coaf), através do Sistema de Controle de Atividades Financeiras – Siscoaf.
Igualmente, devem elaborar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Os procedimentos necessários para tanto, são complexos e incluem o due diligence na qualificação de clientes e beneficiários finais; conhecer o propósito e a natureza da relação de negócios; identificar operações suspeitas ou de comunicação obrigatória; o treinamento dos colaboradores e a disseminação do conhecimento na rotina de trabalho; bem como o monitoramento das atividades desenvolvidas pelos empregados. Além disso, é preciso que o tabelião afaste o conflito de interesse comercial da serventia de suas novas obrigações.
Veja-se que os processos de prevenção demandam expertise própria de profissionais acostumados com implementação de compliance. Afinal, para garantir a plena aplicação da norma, essencial a constituição de um código de conduta, acompanhado de canal de denúncia independente e de sanções internas efetivas.
Tanto é assim que o Provimento 88/2019 trouxe a possibilidade do notário/registrador nomear um Oficial de Cumprimento (denominado de compliance officer na prática empresarial), entre seus prepostos. Tal indicação é oficializada via e-mail à Corregedoria Nacional de Justiça, no Cadastro Nacional de Serventias (justica.aberta@cnj.jus.br). Na sequência entenderemos a melhor a figura do Oficial de Cumprimento.
Finalmente, compete aos tabeliães registrar todos os atos notariais e registrais de conteúdo econômico, constando a identificação do cliente; a descrição pormenorizada da operação realizada; o valor da operação; o valor da avaliação para fins de incidência tributária; a data da operação; a forma de pagamento; o meio de pagamento; e o registro das comunicações feitas à UIF em decorrência do ato.
Todos os cadastros e registros devem ser conservados pelo prazo mínimo de cinco anos, contados da prática do ato, sem prejuízo do dever de conservação de documentos da legislação específica.
A nova figura do Oficial de Cumprimento (compliance officer) e suas obrigações.
O Provimento 88/2019 do CNJ facultou ao notário/registrador a indicação de um Oficial de Cumprimento para lhe auxiliar nas funções de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Sem embargo, cabe ao compliance officer informar à UIF qualquer operação que, pelos aspectos objetivos (natureza e valores) ou subjetivos (pessoas envolvidas), possa estar relacionada a operações de corrupção ou terrorismo.
Também compete ao auxiliar do tabelião prestar aos órgãos de segurança pública, do Ministério Público e do Poder Judiciário, as informações e documentos por eles solicitados, de forma gratuita, sendo vedada a recusa.
Para garantir que haja o escorreito cumprimento das práticas mencionadas, o Oficial de Cumprimento deve, ainda, promover treinamentos para os colaboradores da serventia, bem como elaborar manuais e rotinas internas sobre regras de condutas e sinais de alertas discretos.
Importante destacar que o Oficial de Cumprimento deve ser um preposto do cartório e tem utilidade para descentralizar as tarefas da nova norma, evitando sobrecarregar o tabelião com suas demais funções. No entanto, o §3º do art. 8º manteve a responsabilidade solidária entre o Oficial de Cumprimento e os notários/registradores, no caso de responsabilização.
Comunicando à Unidade de Inteligência Financeira – UIF.
Havendo indícios da prática de crime da lavagem de dinheiro ou de financiamento do terrorismo, o notário/registrador ou seu indicado deverá efetuar a comunicação à Unidade de Inteligência Financeira (UIF) no dia útil seguinte à prática do ato notarial ou registral. Esse aviso será realizado através do link www.siscoaf.fazenda.gov.br/siscoaf-internet.
Apesar da célere notificação à UIF, a obrigação de sigilo permanece e os dados dos clientes não podem ser compartilhados com terceiros. Para saber quais são os indícios trazidos pela regra, acesse nosso artigo específico.
O interessante da norma é que mesmo em casos de inexistência de operação suspeita, o Oficial de Cumprimento, ou o notário/registrador, deverá informar o fato à Corregedoria-Geral de Justiça estadual, até o dia 10 dos meses de janeiro a julho, referente ao período dos cinco meses anteriores, sob pena de responsabilidade administrativa.
As sanções por violação da norma
Elemento típico da norma é a sanção que a acompanha, havendo violação. Com efeito, o impacto que o Provimento 88/2019 do CNJ causou no cenário nacional está nas graves penas que imputa aos tabeliães.
Ao notário ou registrador, interventor ou interino que deixar de cumprir as obrigações dispostas na normativa serão aplicadas –cumulativamente ou não – as seguintes penas: (i) advertência, para situações menos gravosas; (ii) multa pecuniária variável não superior ao dobro do valor da operação, ao dobro do lucro presumido pela realização da operação ou a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
Igualmente, a responsabilidade administrativa pode acarretar (iii) inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo; bem como (iv) a cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento, enquanto pena máxima.
Dada a novidade da regulação, o CNJ houve por bem trazer a exceção da boa-fé objetiva do notário/registrador. Assim, as comunicações amparadas nesta qualidade não ensejarão a responsabilidade civil, administrativa ou penal dos agentes. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade subjetiva, em compasso com a legislação específica.
O impacto das mudanças trazidas pelo Provimento 88/2019 no setor registral é inegável.A nova figura do Oficial de Cumprimento qualificado abre possibilidades de criar um diferencial de mercado, ao passo em que aumenta o risco e a responsabilidade dos agentes envolvidos.
Nesse contexto, é urgente a implementação de metodologias de excelência que incorporem a cultura da integridade no cotidiano das serventias extrajudiciais. O Martinelli & Guimarães Advocacia conta com profissionais de elevado nível de formação e experiência na constituição de programas de compliance.
Prezado leitor, caso deseje agendar uma consultoria em seu cartório, envie um e-mail para contato@martinelliguimaraes.com.br
Sócio-fundador da Martinelli & Guimarães Advocacia. Head das áreas de contencioso cível, Imobiliário, Terceiro Setor e Relações Governamentais. Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED).
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