Com início de vigência em 03 de fevereiro de 2020, o Provimento 88/2019 do CNJ trouxe novas obrigações aos cartórios brasileiros, especificamente na perspectiva do Compliance obrigatórioe na constituição de uma cultura da ética nas serventias extrajudiciais.
Nos artigos anteriores abordamos quais as novidades e sanções abarcadas pela norma inovadora, bem como a identificação de evidências que constituem prática de crimes financeiros. Nesta coluna, iremos nos aprofundar nas regras específicas de cada Tabelionato e Ofício de Registro.
Particularidades aplicáveis aos Tabeliães de Protesto
Aos Tabeliães de Protesto se introduziu a obrigatoriedade de se notificar à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), independente de análise prévia, a ocorrência de qualquer operação que envolva o pagamento ou recebimento de valor igual ou superior a R$ 30.000,00, em espécie, moeda estrangeira ou título de crédito emitido ao portador.
Por outro lado, aponta-se como indício de crime financeiro ou terrorista o pagamento ou cancelamento de títulos protestados em valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), não relacionado ao mercado financeiro, de capitais ou com participação de entes públicos.
Não custa lembrar que a notificação à UIF deve ser feita sempre até o dia útil seguinte à prática do ato notarial ou registral. Esse aviso será realizado através do link www.siscoaf.fazenda.gov.br/siscoaf-internet.
Particularidades aplicáveis aos Registros de Imóveis
No caso dos Registros de Imóveis, as exigências foram mais detalhadas e gravosas, sobretudo considerando a conhecida prática de ocultação patrimonial através dos bens de raiz.
Em vista disso, independentemente de análise prévia, devem ser comunicadas à UIF a ocorrência das seguintes situações:
- Registro de transmissões sucessivas do mesmo bem, em período não superior a 6 (seis) meses, se a diferença entre os valores declarados for superior a 50%;
- Registro de título no qual constem diferenças entre o valor da avaliação fiscal do bem e o valor declarado, ou entre o valor patrimonial e o valor declarado, superiores a 100%;
- Registro de documento ou título em que conste declaração das partes de que foi realizado pagamento em espécie ou título de crédito ao portador de valores igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Ainda que não se exija a notificação legal, o Provimento 88/2019 do CNJ sugere que se reportem as doações de direitos reais sobre bens imóveis, para terceiros sem vínculo familiar com o doador, referente a bem imóvel cujo valor venal seja igual ou superior a R$ 100.000,00.
O mesmo vale nos casos de concessão de empréstimo hipotecário ou com alienação fiduciária entre particulares; registro de negócios celebrados por sociedades que tenham sido dissolvidas e tenham regressado à atividade; e o registro de aquisição de imóveis por fundações e associações, quando as características do negócio sejam incompatíveis.
Particularidades aplicáveis aos Registros de Títulos e Documentos e Civis das Pessoas Jurídicas
A lógica é a mesma das demais serventias: de um vértice, há a determinação legal para que notifiquem determinadas operações à UIF, de outro, sugere-se a manifestação, caso os registradores assim entendam.
Neste caso, independentemente de análise prévia, devem ser comunicadas as operações que envolvam o pagamento ou recebimento de valor igual ou superior a R$ 50.000,00, inclusive quando se relacionar à compra e venda de bens móveis e imóveis.
Contudo, existem indícios de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo, facultando a comunicação à UIF, nos casos de:
- Registro de quaisquer documentos que se refiram a transferências de bens imóveis de qualquer valor, ou transferências de bens móveis e direitos de valor superior a R$ 30.000,00;
- Registro de mútuos ou doações de valor superior a R$ 30.000,00;
- Registro de quaisquer documentos que se refiram a participações, investimentos ou representações de pessoas naturais ou jurídicas brasileiras em entidades estrangeiras;
- Registro de instrumentos contratuais que prevejam a cessão de títulos de créditos ou de títulos públicos de valor igual ou superior a R$ 500.000,00.
Particularidades aplicáveis aos Notários
O Provimento 88/2019 do CNJ foi enfático nas mudanças trazidas aos Notários, desde a criação de órgãos específicos de fiscalização e controle, até a alteração nos procedimentos internos de todos os atos notariais protocolares.
Criou-se o Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF), órgão de supervisão auxiliar das Corregedorias e do Conselho Nacional de Justiça, a fim de divulgar instruções técnicas complementares para o devido cumprimento das normas.
Este CNB/CF será responsável por organizar e manter o Cadastro Único de Clientes do Notariado – CCN. Este cadastro reunirá as informações de todas as pessoas constantes nos atos notariais protocolares, a partir dos dados fornecidos pelo próprio notário, com periodicidade quinzenal.
Além da qualificação comum à prática notarial, no caso de integrantes do sistema de firmas abertas, o cadastro também conterá a imagem das documentações, dos cartões de autógrafo e dos dados biométricos.
Para garantir a validade dos dados do CCN, os notários poderão se servir dos dados do SINESP e INFOSEG, além de outras secretarias de segurança pública. Contudo, a utilização desses bancos de dados não substitui o dever de recolher os dados dos clientes do notariado.
Perceba-se que, a mudança trazida pelo Cadastro Único de Clientes do Notariado elevou exponencialmente o risco dos Tabeliães na responsabilidade pelos dados ali armazenados. Com efeito, o fato de centralizarem todas as informações e dados sensíveis de seus clientes em uma única plataforma, caso não haja o devido tratamento, coloca o cartório na linha de fogo da Lei Geral de Proteção de Dados.
Nesse contexto, dormirá em paz aquele tabelião que investir em treinamentos para a equipe e organizar documentos próprios que o resguardem de eventual violação ou vazamento de dados. Frise-se que as multas da LGPD podem chegar até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
O Martinelli & Guimarães Advocacia conta com corpo técnico especializado em tecnologia, inclusive com formação especializada na área de dados pessoais, capaz de adequar empresas e serviços públicos à nova realidade.
O CNB/CF também criará o Cadastro Único de Beneficiários Finais – CBF, o qual conterá o índice das pessoas naturais que, em última instância possam controlar ou exercer influência significativa sobre os atos praticados pelos notários;
Ainda, os notários devem manter o registro eletrônico de todos os atos notariais que lavrarem, independente da natureza e objeto, remetendo seus dados essenciais à CNB/CF, com periodicidade quinzenal, sob pena de responsabilidade administrativa.
Por fim, os cartórios de notas devem comunicar à Unidade de Inteligência Financeira – UIF todas as operações que envolvam:
- O pagamento ou recebimento de valor em espécie, título de crédito, inclusive compra e venda de bens móveis ou imóveis, igual ou superior a R$ 30.000,00;
- Bens móveis de luxo ou de valor acima de R$ 300.000,00
- Todas as situações consideradas suspeitas para o Registro do Imóveis, quando realizadas por escritura pública.
Não é demais rememorar que a violação de qualquer uma dessas normas, por qualquer espécie de serventia, gera penas agressivas e que apenas podem ser afastadas em caso de demonstração de boa-fé dos agentes. Com efeito as multas pecuniárias podem chegar a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), além de cassação da autorização para o exercício de atividade.
Prezado leitor, caso deseje agendar uma consultoria em seu cartório, envie um e-mail para contato@martinelliguimaraes.com.br
Sócio-fundador da Martinelli & Guimarães Advocacia. Head das áreas de contencioso cível, Imobiliário, Terceiro Setor e Relações Governamentais. Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED).
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Gustavo Martinellihttps://martinelliguimaraes.com.br/author/gustavo/
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