Publicada em 1º junho de 2021, e com vacatio legis de 90 dias, a Lei Complementar nº 182/2021 instituiu o chamado Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador.
Enquanto lei complementar – espécie legislativa que regula dispositivos constitucionalmente previstos, mas não detalhados – o Marco Legal das Startups veio como forma de atualizar o tratamento jurídico dispensado às micro e pequenas empresas. Na prática, porém, fez muito mais do que isso.
As diretrizes fundamentais do Marco Legal das Startups.
A começar pela estrutura de principiológica da lei, é notório como o Marco Legal das Startups visa fundar um ambiente regulatório favorecido à economia do conhecimento e ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual (art. 3º, II).
Isso se dá na medida em que a nova lei reconhece o empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental no âmbito nacional (art. 3º, I). Igualmente, tem-se como pressuposto a importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador social, bem como entende a inovação como meio de promoção da produtividade e da geração de postos de trabalhos qualificados.
O mandamento nucelar do Marco Legal das Startups está no incentivo à contratação, pela administração pública, de soluções inovadoras elaboradas ou desenvolvidas por startups. Dessa forma, positiva-se o papel do Estado no fomento à inovação para solução de problemas públicos.
Com efeito, percebe-se que o legislador escolheu a cooperação entre ossetores públicos e privados como um dos pilares jurídicos para modernização do ambiente de negócios brasileiro. Assim, tem-se a ideia do Estado como comprador de inovação, o que é recorrente em todo o texto da lei, como se verá adiante.
O que é uma startup (para o Direito)?
O grande avanço da Lei Complementar 182/21 foi estabelecer o que é uma startup para o Direito. O conceito veio a atender uma demanda sentida também pelo mercado, visto que não há, ainda, uma definição uníssona no setor empresarial, como destaca Erik Frederico Oioli.[1]
Dessa forma, o Marco Legal das Startups qualificou as startups como “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelos de negócios ou a produtos ou serviços ofertados” (art. 4º, caput). Considerando a complexidade do termo, cumpre decompor a estrutura da ideia em seus elementos.
Assim, por organizações empresariais ou societárias, entende-se aquelas figuras dotadas de personalidade jurídica com finalidade econômica.
Uma startup poderá adotar a natureza de sociedade simples, limitada, anônima, em nome coletivo, em comandita, de cooperativa, ou mesmo de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI).
Por outro lado, é necessário que a aludida empresa esteja em fase de nascimento ou em operação recente, ou seja, com até dez anos de inscrição no CNPJ.
No caso de empresas decorrentes de incorporação, será contado o tempo de inscrição da incorporadora. Para fusão, será computado o maior tempo de inscrição entre as empresas fundidas. Ademais, em se tratando de empresas decorrentes de cisão, será considerado o tempo de inscrição da empresa cindida.
Finalmente, a fim de verificar a inovação aplicada a modelos de negócios ou a produtos ou serviços ofertados, o ato constitutivo (via de regra, o contrato social) ou alterador da empresa deve conter declaração de que utiliza modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços.
Ocorre que a definição de inovação não foi abordada no Marco Legal das Startups, havendo apenas uma remissão legislativa ao art. 2º, IV, da Lei nº 10.973/2004. Nesse sentido, os modelos de negócios serão considerados inovadores quando introduzirem novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social, criando ou agregando novas funcionalidades ou melhorias a produtos, serviços ou processos.
Há, ainda, requisito ulterior para o enquadramento de empresas startups: a receita bruta anual não deve superar dezesseis milhões de reais, ou R$ 1.333.334,00 mensais, quando a atividade for inferior a doze meses de faturamento.
Quais as vantagens legais das startups?
Diante de tantos requisitos para o enquadramento legal como startup, indaga-se por que motivo uma empresa nascente buscaria a adequação ao aludido regime jurídico.
Fato é que o Marco Legal das Startups trouxe uma série de vantagens e facilidades para o empreendedorismo inovador. Entre elas, destacam-se (i) os novos instrumentos de investimentos; (ii) as modalidades de fomento à pesquisa; bem como (iii) a preferência em contratações pelo Estado.
Quanto (i) aos novos modelos de investimentos, o art. 5º da Lei Complementar 182/21 possibilitou às startups receber aportes de capital por meio de contratos de opção de subscrição de ações e quotas; debêntures conversíveis em ações emitidas pela empresa; e contratos de mútuos conversíveis em participação.
Ademais, é possível celebrar contratos com investidores-anjos, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas que injetam capital na empresa, recebendo remuneração ao longo do tempo, sem passar a compor o quadro societário ou de acionistas.
O Marco Legal das Startups também franqueou às startups receberem aportes de (ii) fomento através de outras empresas que tenham obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por agências reguladoras.
Nesse aspecto, destaca-se o recebimento de recursos por meio de programas, editais e concursos públicos destinados à aceleração e à escalabilidade de startups. Esse financiamento pode ser gerenciado por empresas públicas, fundações universitárias, entidades paraestatais ou bancos públicos de fomento.
Porém, talvez a maior vantagem econômica para startups seja a (iii) preferência de contratações pelo Estado para testar soluções inovadoras por ela desenvolvidas, com ou sem risco tecnológica.
O privilégio tem por finalidade resolver demanda públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia ou promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado.[2]
Havendo diversas empresas em concorrência, as propostas serão avaliadas através de critérios específicos do processo licitatório para startups: potencial de resolução do problema; grau de desenvolvimento da solução proposta; viabilidade e maturidade do modelo de negócio e solução; viabilidade econômica da proposta; e demonstração comparativa de custo e benefícios em relação às opções equivalentes.
Grandes promessas, grandes expectativas
Dessa forma, o Marco Legal das Startups espera promover a competitividade das empresas brasileiras frente ao mercado internacional e atrair investimentos estrangeiros. Desse modo, visa-se compreender o empreendedorismo inovador como vetor do desenvolvimento nacional.
Assim, para atingir esses objetivos, o legislador ofertou às startups diversas vantagens, seja facilitando o investimento privado de baixo risco, seja induzindo comportamentos pelo fomento público e privado, ou autorizando o Estado a utilizar seu poder de compra para escolher modelos de negócios disruptivos.
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[1] OIOLI, Erick Frederico. Por que um direito para startups? In: OIOLI, Erick Frederico (Org.) Manual de Direito para startups. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 11.
[2] Aqui está um excelente exemplo do que Mariana Mazzucato denomina Estado Empreendedor. Vide MAZZUCATO, Mariana. O Estado empreendedor. São Paulo: Portfolio, 2014.
Sócio-fundador da Martinelli & Guimarães Advocacia. Head das áreas de contencioso cível, Imobiliário, Terceiro Setor e Relações Governamentais. Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED).
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