Desde a última reforma administrativa, no início dos anos 2000, a importância das agências reguladoras apenas cresce. Malgrado preferências políticas, fato é que a intervenção do Estado no domínio econômico está cada vez menos direta e paulatinamente mais reguladora.
Não por menos, existem, hoje, onze agências reguladoras federais, responsáveis por normalizar e fiscalizar as áreas de comunicação, aviação, petróleo e gás, vigilância sanitária, entre outros setores.
O que é uma boa regulação?
Regular significa imputar exigências normativas em face dos agentes econômicos, induzindo-os a produzir efeitos que tragam bem-estar geral para os cidadãos. Porém, se é verdade que a regulação desempenha papel fundamental na perseguição dos interesses republicanos, também é certo que uma normativa inconsequente pode agir na contramão de seus objetivos.
A fim de satisfazer uma paixão política, o desejo de uma maioria eventual ou contornar uma desventura pontual, as agências reguladoras muitas vezes acabaram por criar anomalias e ineficiência de mercado, introduzir custos de transação excessivos, além de conferir tratamento anti-isonômico para os diferentes players – não necessariamente por dolo, mas por incapacidade de fiscalizar a totalidade das normas editadas.
Nesse cenário, a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) tornou obrigatório o uso Análise de Impacto Regulatório para antecipar “propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal”, nos termos do art. 5º da referida Lei.
Trata-se de uma ferramenta voltada ao estudo prévio (ex ante) da regulamentação, a fim de orientar e subsidiar de modo transparente e democrático, a tomada de decisão mais eficiente.
A Análise de Impacto Regulatório, embora introduzida em Lei, não representa novidade jurídica. Com efeito, determinadas agências reguladoras, em oportunidades mais relevantes, já tomaram a iniciativa de investigar exaustivamente os impactos que a edição de uma normativa pode gerar. O problema estava na raridade e pouca publicidade do uso: apenas Anvisa e Ancine disponibilizam todos os estudos realizados nos respectivos portais online.
Como elaborar a Análise de Impacto Regulatório?
Uma boa Análise de Impacto Regulatório deverá atuar especialmente antes da tomada de decisão pelos agentes reguladores. Não se trata de uma formalidade ou de uma burocracia, a qual pode ser apresentada como ilustração para uma escolha enviesada.
Entender a AIR por essa perspectiva é introduzir mais um custo de transação aos agentes econômicos. Longe disso, a Análise de Impacto Regulatório deve ser feita com seriedade, garantindo igualmente a participação ampla da sociedade.
Justamente por isso, a Casa Civil, em parceria com a Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) disponibilizou dois documentos a fim de facilitar a elaboração das Análises de Impactos Regulatórios para todas as agências nacionais: “As Diretrizes para a Análise de Impacto Regulatório” e o “Guia orientativo para elaboração de AIR”.[2]
As Diretrizes para AIR dispõem sobre princípios reitores do processo de análise. São eles (i) a proporcionalidade – significando aqui que a AIR deve ser tão rigorosa quanto a regulação for impactante; (ii) a linguagem acessível (deve-se evitar inclusão de elementos secundários); (iii) o processo de análise baseado em evidências; e (iv) a participação social e transparência.
Em linhas gerais, o Guia orientativo para elaboração de AIR, apresenta todas as fases que devem ser realizadas no processo da AIR. Assim, antes de introduzir uma nova regulação no setor econômico, é preciso (i) identificar o problema real; (ii) mapear os atores e grupos afetados pelo problema regulatório; (iii) arrolar a base legal pertinente; (iv) definir os objetivos pretendidos; (v) colacionar as alternativas de ação disponíveis, abrindo ao máximo o leque de caminhos viáveis.
Assim feito, deverá ser formulada a (vi) análise de impacto de todas as alternativas levantadas, incluindo as (vii) estratégias de implementação, fiscalização e monitoramento. Somente então será possível (viii) escolher a alternativa mais satisfatória. Em todas as etapas devem ser observados os princípios reitores positivados as Diretrizes para a AIR.
Um exemplo ilustrativo.
Talvez a análise de impacto regulatório que mais ganhou destaque no mercado no último período foi a AIR da ANEEL, elaborada por ocasião da revisão da Resolução 482/2012.
A normativa trata da geração de energia distribuída, modelo de negócio em que micro e miniusinas de energia sustentável podem injetar excedentes energéticos para as distribuidoras, em troca de créditos. Com a expansão desse mercado, notou-se um desequilíbrio de benefícios distribuídos às microgeradoras não compartilhados para as usinas de médio e grande e porte.
A ANEEL, então, iniciou a elaboração da Análise de Impacto Regulatório, apresentando diversas alternativas viáveis para redistribuir os custos envolvidos na operação. No atual cenário, o excedente energético injetado na rede pode ser 100% compensado em créditos, sem que haja qualquer abatimento pela transmissão ou distribuição da energia elétrica.
As alternativas levantadas apresentam uma redução gradual na forma de compensação dos créditos de energia. Em um primeiro momento seriam descontados os valores relativos à transmissão de energia (TUST), posteriormente, quando as microgeradoras se tornarem mais relevantes no cenário enérgico, poderá ser abatido também os custos com distribuição de energia (TUSD), e assim por diante.
De todo modo, os caminhos apontados reduzem a margem de lucro das microgeradoras e tornam investimentos na área menos atraentes. Se, atualmente, o tempo médio de retorno (payback) de uma usina solar é de 6 anos, a geração de lucro será ainda mais diferida com a nova regulação. O resultado é a fuga de capital para energia renovável, o qual é justamente um dos objetivos republicanos perseguidos pelo Estado. Não são escolhas fáceis.
Em novembro de 2019 foi aberta a consulta pública para que os stakeholders formulem outras propostas. Ainda não há nenhuma certeza sobre a nova regulação.
Estamos no caminho certo?
As inovações regulatórias dos setores econômicos devem sempre buscar a realização de interesses públicos e objetivos constitucionais. No entanto, em que pese as boas intenções de agentes reguladores, a elaboração de uma nova norma pode acarretar uma série de externalidades negativas, gerando resultados contrários àqueles esperados.
É para evitar insegurança jurídica, elevação injustificada de custos de transação, anomalias de mercado que as exigências das agências reguladoras devem ser precedidas do procedimento de Análise de Impacto Regulatório. Com efeito, não se trata de tarefa simples, mas absolutamente necessária para garantir a estabilidade de investimentos e a condução de planos políticos de longo prazo.
O tema de hoje foi denso. Trata-se de algo novo e pouco explorado, talvez pela aridez do estudo e pela falta de experiências concretas. Felizmente, nada disso nos assusta.
Agradeço enormemente ao leitor por
acompanhar as reflexões. Para continuarmos nosso bate-papo, escreva para gustavo@martinelliguimaraes.com.br
Sócio-fundador da Martinelli & Guimarães Advocacia. Head das áreas de contencioso cível, Imobiliário, Terceiro Setor e Relações Governamentais. Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED).
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