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Fornecimento de remédios importados pelo plano de saúde

Atualmente, no âmbito do Direito Médico, é evidente o debate acerca da obrigação dos planos de saúde em fornecer medicamentos importados aos seus beneficiários contratantes, inclusive na hipótese de tratamentos e produtos sem registro perante a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou, ainda, com seu registro cancelado por falta de interesse comercial – pouca demanda de pedidos.

Diante da controvérsia proposta, a tese firmada no Superior Tribunal de Justiça (órgão julgador: 2ª seção) – após o julgamento do Tema nº 990 dos recursos repetitivos – foi de que as operadoras de planos de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamentos não registrados pela ANVISA, nos termos do artigo 10, inciso V, da Lei 9.656/1998:

“Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:       

(…)

V – Fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados.”

Entretanto, não seria esta decisão uma grave violação de direitos à luz das garantias constitucionais asseguradas?

O Entendimento do STJ

Em síntese, compreende a Corte que se o medicamento não possui o registro perante a ANVISA, a operadora de plano de saúde não estará vinculada à obrigação exigida pelo beneficiário, de fornecimento do fármaco. Além disso, a falta de registro estaria atrelada ao argumento de que não teria sido devidamente testado e aprovado pelos órgãos competentes brasileiros.

Apesar do entendimento supramencionado, compreende a Ministra Nancy Andrighi [1], em corrente minoritária, que a autorização da ANVISA para importação excepcional é suficiente para obrigar o plano de saúde a fornecer o medicamento, devendo ser consideradas as circunstâncias subjetivas da paciente no caso concreto, consoante a seguinte fundamentação:

“Essa autorização da Anvisa para a importação excepcional do medicamento para uso hospitalar ou sob prescrição médica, como ocorre no particular, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da agência reguladora quanto à sua segurança e eficácia”, concluiu no julgamento de um dos casos que debatem o tema (REsp nº 1923107 – SP)

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Caso a situação do paciente não atenda às exceções taxativas do artigo 12 da referida lei, entende-se que é necessário analisar as cláusulas de limitação em conjunto com o CDC, em adição da interpretação conforme os ditames constitucionais, a exemplo do princípio da dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, com embasamento no artigo 54, § 4° do CDC – que faz menção às cláusulas que implicam na restrição do direito do consumidor – é possível requerer a invalidação da disposição contratual, obrigando o fornecimento do medicamento exigível ao quadro clínico do paciente.

Dignidade Humana

Em complemento ao exposto no tópico anterior, prevê a Constituição da República, em seus primeiros artigos a obrigação estatal de assegurar ao cidadão os chamados Direitos Sociais, previsto expressamente em seu artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (grifo nosso).

Com base nessa disposição, o acesso ao medicamento é direito fundamental de qualquer pessoa que necessite de tratamento para a cura de uma enfermidade. Logo, tratando-se de remédios de difícil obtenção, isto é, aqueles que precisam de importação ou procedimento burocrático que imponha ao paciente impossibilidade de aquisição direta, caberá ao plano de saúde assegurar seu fornecimento.

Importante ressaltar que muitas vezes o medicamento é vital ao paciente para que se tenha qualidade de vida e bem-estar. Ao negar o fornecimento, as operadoras impedem o acesso da pessoa a uma vida digna, contrariando as disposições constitucionais e, em sentido similar, o próprio objeto comercial dos planos de saúde.

Conclusão

Com base nas legislações destacadas, verifica-se que a obrigação acerca do fornecimento de medicamentos pelos planos de saúde – sejam eles aprovados pela ANVISA (ou não) – exigirá, em um primeiro momento, uma análise detalhada do caso concreto sobre a real necessidade e influência do medicamento no tratamento do paciente, além do impacto que sua falta pode a vir causar, caso não administrado, na qualidade de vida, sendo exigível à decisão a valoração do direito à saúde enquanto garantia irrenunciável do beneficiário, nos moldes previstos no artigo 6º da Constituição Federal.

Ou seja, caso reste objetivamente comprovado que o medicamento em questão poderá contribuir para o bem-estar global do indivíduo, mesmo que de maneira ínfima, não restará óbice à obrigação dos planos de saúde em proporcionar o serviço exigível.

Por fim, entende-se que mesmo a negação das operadoras de planos de saúde sendo legítima, não é irrefutável.


BIBLIOGRAFIA

[1] https://www.conjur.com.br/dl/stj-manda-plano-fornecer-remedio.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26102021-Plano-de-saude-deve-custear-medicamento-a-base-de-canabidiol-com-importacao-autorizada-pela-Anvisa.aspx

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2015/rdc0017_06_05_2015.pdf

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13102021-Terceira-Turma-manda-plano-custear-remedio-sem-registro-na-Anvisa–mas-com-importacao-autorizada.aspx

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-11-13_08-05_Repetitivo-desobriga-planos-de-fornecer-medicamento-nao-registrado-pela-Anvisa.aspx

https://www.conjur.com.br/2021-ago-16/stj-manda-plano-fornecer-remedio-importado-registro-anvisa

Bacharel em Direito pelo UNICURITIBA.
Pós-graduanda em Cannabis Medicinal e Direito.

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