Em um cenário de constante evolução da sociedade, as mudanças advindas refletem diretamente nas relações interpessoais, exigindo-se, assim, uma necessidade do direito acompanhar essa evolução.
Os modelos tradicionais de relacionamento, em que o casamento era reconhecido como único vínculo para constituição familiar, já não são predominantes, ao passo que a liberdade para constituição de vínculos afetivos dá azo para novas configurações familiares.
Nesse contexto, o namoro ganhou relevância como uma fase prévia ao casamento, na qual casais podem se conhecer, compartilhar experiências e avaliar a compatibilidade para uma possível união matrimonial.
Contudo, em meio a essa diversidade de relações interpessoais, surge a necessidade de proteger o patrimônio individual, especialmente em casos nos quais não há interesse em constituir uma união estável.
Assim, o contrato de namoro emerge como uma alternativa jurídica para salvaguardar os bens das partes envolvidas.
União estável X namoro qualificado
Apesar do conceito de união estável e namoro serem muito similares, os institutos não se confundem, tendo em vista que ambos se diferem tanto conceitualmente, como nos efeitos jurídicos gerados.
O conceito de união estável está previsto no Código Civil, no artigo 1.723, como sendo a entidade familiar “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Não se ignora, contudo, que o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu essa interpretação para também reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo, garantindo os mesmos direitos e deveres assegurados às uniões heterossexuais.
O referido artigo traz elementos objetivos e subjetivos que constituem a união estável, sendo os elementos objetivos a publicidade, a continuidade e durabilidade da relação, e o elemento subjetivo o affectio maritalis, ou seja, a intenção de constituir família.
A figura do namoro qualificado, apesar de não contar com previsão no ordenamento jurídico, vem sendo reconhecido pela jurisprudência, tendo sido assunto abordado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.454.643/RJ, em que se discutiu a distinção entre união estável e namoro qualificado.
O principal critério diferenciador dos institutos da união estável e o namoro qualificado, é o critério subjetivo da intenção de constituir família. Enquanto na união estável o propósito de constituir família é essencial para caracterização, no namoro qualificado não se exige das partes a mesma intenção.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.454.643 – RJ, (2014/0067781-5) o Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze proferiu o voto no sentido de que para caracterizar união estável, além da presença dos requisitos objetivos, o elemento subjetivo de constituir família deve estar presente durante toda a convivência do casal, enquanto a mera proclamação futura de constituir família configura namoro qualificado.
Portanto, tendo como principal distinção o animus maritalis, ambos os institutos geram efeitos jurídicos distintos para os integrantes da relação.
Efeitos jurídicos do namoro qualificado e da união estável
Considerando que o namoro qualificado é entendido como um período pré-matrimonial, essa situação de fato não gera efeitos patrimoniais, tampouco sucessórios às partes envolvidas. Difere, no ponto, da união estável, em que os efeitos gerados se equiparam ao casamento, garantindo aos companheiros o direito de escolher o regime pelo qual os bens constituídos durante a união estável ficarão regidos.
Em eventual dissolução da união estável, a divisão dos bens constituídos será realizada conforme o regime de bens escolhido pelas partes. Em caso de ausência de regime definido, aplica-se automaticamente o regime de comunhão parcial de bens. Isso significa que, se as partes não tiverem estipulado de forma diferente, cada companheiro terá direito à metade dos bens constituídos na constância da união estável.
Para além dos efeitos patrimoniais, a união estável gera efeitos sucessórios, vez que na ocasião de falecimento de uma das partes, o companheiro sobrevivente tem direito à herança, na condição de herdeiro necessário, sendo possível até mesmo figurar como beneficiário junto a órgãos previdenciários.
Contrato de namoro qualificado
Nesse contexto de distinção entre o namoro e a união estável, o contrato de namoro qualificado surge como uma possibilidade das partes firmarem um contrato, com a finalidade de reconhecer e dar publicidade ao status de relacionamento, e assim evitar a confusão patrimonial entre o casal.
Levando em consideração os princípios contratuais da liberdade de contratar e da autonomia da vontade das partes, o contrato de namoro qualificado vem sendo cada vez mais reconhecido pela jurisprudência e recomendado como uma alternativa para as partes estabelecerem uma relação afetiva, sem que isso implique na comunicação patrimonial.
Por se tratar de um contrato, a sua formação deve atender aos requisitos essenciais de validade, conforme disposto nos artigos 104 a 184 do Código Civil brasileiro. Isso significa que as partes devem ser capazes, o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, e a forma deve ser livre, respeitando as disposições legais específicas.
A redação do contrato de namoro deve ser clara e precisa, de modo a refletir a vontade das partes em estabelecer uma relação afetiva sem os efeitos jurídicos da união estável ou do casamento. Recomenda-se, inclusive, que se faça por escritura pública em tabelionato de notas, a fim de conferir publicidade à declaração.
Quanto à vigência do contrato de namoro, por não ter forma prevista em lei, pode ser estabelecida de acordo com a vontade das partes. Há possibilidade de fixar um prazo determinado para sua validade ou definir as condições para sua rescisão. Nesse sentido, é possível incluir cláusulas que prevejam a extinção do contrato caso ocorra a constituição de união estável ou casamento entre as partes.
A eficácia do contrato de namoro está relacionada à sua capacidade de produzir os efeitos desejados pelas partes. Em outras palavras, sendo confeccionado com as solenidades de um contrato privado ou por instrumento público, ele deve ser capaz de comprovar a intenção das partes em estabelecer uma relação afetiva sem os efeitos jurídicos da união estável ou do casamento.
Conclusão
O contrato de namoro qualificado representa uma alternativa viável para casais que desejam preservar seu patrimônio durante o relacionamento pré-matrimonial. Ao estabelecer claramente os direitos e deveres de cada parte, contribui para a segurança jurídica e a harmonia da relação, evitando conflitos e litígios desnecessários no futuro.
No entanto, o contrato deve ser elaborado com a assistência jurídica adequada, observando-se os requisitos legais e as particularidades do caso, garantindo, assim, validade e eficácia diante do ordenamento jurídico.
Referências
REIS, Jordana Maria Mathias dos. Contrato de namoro. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 19, n. 93, p. 55–76, set., 2018.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 18 mai. 2024.
STJ. Recurso Especial nº 1.454.643/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 3/3/2015, DJe de 10/3/2015.
TJPR. 11ª Câmara Cível – 0002492-04.2019.8.16.0187 – Curitiba – Rel.: Desembargador Sigurd Roberto Bengtsson – J. 30.11.2022.
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