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Advocacy em políticas públicas: defesa de interesses e ativismo social

Este texto foi desenvolvido a partir da live realizada com a Profa. Me. Liza Valença, ocorrida em 11 de agosto de 2020, na página do Facebook do Martinelli & Guimarães Advocacia. O tema abordado foi Advocacy em Políticas Públicas. Para ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

A Constituição da República de 1988 deu grande ênfase à participação social como meio para atingimento dos fins da República. Afinal, o mero fato de os direitos estarem plasmados no texto constitucional não significa a efetiva satisfação do bem da vida.

Muito pelo contrário, sobretudo quando se fala de direitos sociais, o que se estabeleceu no corpo da Constituição foi uma visão programática, indicativa de um futuro. Um dos caminhos para que esse horizonte seja alcançado é a participação do povo.

Vários seriam os ganhos sociais decorrentes do protagonismo do cidadão. Primeiramente, haveria a elevação de dignidade dos atores sociais. Em segundo lugar, o debate verticalizado produziria novas informações para a decisão satisfatória, o que possibilitaria ao cidadão um maior controle social.

Infelizmente, por mais que os instrumentos da participação estejam ofertados para toda a população, o que se percebe é uma dupla crise institucional: de um lado, há o esvaziamento desses espaços, de outro, os poucos participantes não conseguem estabelecer uma comunicação eficiente.

Daí surge o advocacy, que pode ser conceituado como a criação de estratégias para influenciar positivamente as políticas públicas. Assim, o objetivo do advocacy é influenciar os tomadores de decisão, a fim de promover uma mudança ou uma manutenção de uma política pública de interesse amplo, por meio a conscientização e o engajamento de outros atores da sociedade. 

Trata-se de uma atividade complexa, mas que necessita de todos esses elementos para se identificar.

Nessa esteira, importante destacar que uma estratégia bem-sucedida deve envolver diferentes frentes de trabalhos e etapas variadas, cada uma com instrumentos que lhe são próprios. Tais as frentes de trabalho se dividem em (a) mobilização da sociedade civil e (b) contato com as autoridades públicas.

A primeira das frentes, por sua vez, separa-se em (a.i) conscientização e engajamento da população e (a.ii) formação de coalizões e alianças. Isso quer dizer que, de um lado, é imprescindível trazer a pauta defendida para o povo em geral, atraindo atenção para o tema e colocando-a no centro da agenda nacional.

Por outro lado, entender que o foco da ação é a influência política final, não apenas o prestígio em face do cliente, torna vantajoso estabelecer uma rede de apoio com terceiros beneficiários. Uma atuação cooperativa, com demais agentes e setores econômicos, pode ser determinante para impactar a sociedade civil em geral, retirando o estigma acerca dos vieses excludentes.

Já a segunda frente de trabalho abrange o (b.i) lobby direto – ou stricto sensu –  bem como o (b.ii) grassroots lobbying. Pode-se definir lobby como a atividade de comunicação, independente do meio de manifestação, que tenha por objeto promover, defender, obstar ou representar qualquer interesse privado visando influenciar decisões políticas.

Novamente, de um lado há o contato imediato com as autoridades públicas, seja através de audiências institucionais, seja através da comunicação pessoal nos gabinetes dos tomadores de decisão. Aqui há um criterioso cálculo de rede capaz de medir a influência entre diversos atores, reconhecendo e distinguindo aqueles que ocupam posições centrais e os clusters, ou seja, agentes com alta incidência de ligações entre si, que aproximam e aceleram as trocas de informações, ainda que não sejam os protagonistas. Típico exemplo são os assessores de parlamentares.

Por outro lado, (b.ii) por grassroots lobbying se entende a pressão indireta, resultante da mobilização e engajamento social que afeta os tomadores de decisão. A ideia é justamente impactar o alto escalão através da manifestação de uma multidão de eleitores, de baixo para cima, como se fossem raízes de uma planta (daí a expressão grassroots).

Para que fique claro, o lobby é uma das frentes de trabalho dentro da estratégia de advocacy, ou seja, o advocacy é atividade mais ampla, que compreende o lobby dentro de suas ações.

Ao tomar em conta toda a complexidade do trabalho de advocacy, chama atenção como o advogado se apresenta como uma figura determinante. Por mais que a influência em políticas públicas não seja atividade privativa da advocacia, fato é que os conhecimentos do jurista o colocam em uma vantagem abissal.

Isso porque a influência política deve seguir as regras do jogo, especialmente a juridicidade. Influenciar a tomada de decisão, ao fim e ao cabo, significa desejar uma de cinco situações possíveis: (i) propositura de uma nova lei ou política, (ii) alteração de uma lei ou política em vigor, (iii) aplicação efetiva de uma lei formalmente ideal, (iv) aperfeiçoamento da aplicação da lei, para níveis ótimos, ou (v) manutenção da lei ou política pública ameaçada de alteração.

Por outro lado, o profissional de advocacy deve desenvolver outras competências que não apenas as jurídicas. Planejamento, gestão de projetos, comunicação eficiente e marketing são algumas das habilidades igualmente importantes.

Seja como for, a relevância do jurista na estratégia de advocacy é sentida na prática. Nesse sentido, um exemplo que merece apreciação é o case Death penalty, cujo o objetivo geral é extinguir a pena de morte nos Estados Unidos, mas reúne outros três objetivos específicos: (i) fazer com que todos os Estados revoguem a pena de morte em 20 anos; (ii) mudar a opinião pública sobre a pena de morte, através de evidências; bem como (iii) conseguir uma decisão favorável e vinculante da Suprema Corte para banimento da pena de morte em todos os Estados Unidos.

Desse caso, é possível identificar a compreensão do Poder Judiciário também como uma arena política para influência e disputa entre diferentes atores, algo já bastante avançado nos EUA, porém ainda tímido no Brasil.

Via de regra, ao buscar impactar as autoridades públicas brasileiras, as associações e movimentos sociais se limitam à prática de grassroots lobbying, ou seja, ao uso de multidões em protesto, a fim de criar um barulho social que possa ser reconhecido pelos agentes públicos. Essa estratégia, com efeito, é bastante eficiente, mas sozinha não basta. 

Com efeito, a atividade de lobby já está bastante desenvolvida em países com democracia mais madura, sendo compreendida como verdadeira virtude do sistema firmado sobre o pluralismo político.

Nessas nações, grandes advogados e juristas em geral foram peças-chave para a obtenção de resultados eficientes para seus clientes e a sociedade em geral. São notórios os avanços dos direitos civis que apenas foram possíveis graças à acuidade forense (os exemplos clássicos são o direito à interrupção voluntária da gravidez, para as mulheres, e a legalidade do casamento homoafetivo), que buscaram transformar uma realidade cruel em algo mais palatável.

Por aqui, já está na hora de darmos concretude ao princípio da cidadania, inserto no artigo inaugural de nossa Constituição. A participação popular nas decisões políticas nos foi garantida como direito fundamental, cuja aplicabilidade é imediata; igualmente, os instrumentos jurídicos já estão disponíveis para amplo uso. Ainda assim, seguimos tímidos, ignorando um mar de oportunidades para a defesa interesses.

No Martinelli & Guimarães acreditamos na participação do cidadão na vida política, na abertura do sistema e no livre trânsito da sociedade civil na democracia. Esperamos que trazer o tema ao debate possa contribuir para a reflexão de todas e todos. Aos poucos, vamos construindo um país melhor!

Agradecemos a participação da Profa. Me. Liza Valença na conversa e fazemos votos de futuras oportunidades.


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Sócio-fundador da Martinelli & Guimarães Advocacia. Head das áreas de contencioso cível, Imobiliário, Terceiro Setor e Relações Governamentais. Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED).

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