O que é lobby?
Lobby é a atividade de influenciar os processos decisórios políticos de qualquer um dos Poderes do Estado, em benefício de interesses privados.[1] Diferencia-se de outras formas de impacto político, como os movimentos sociais, por sua capacidade de conectar diretamente os grupos interessados com os tomadores de decisão governamental.
Apesar do estigma negativo que o termo carrega, o lobby é não algo intrinsicamente ruim – nem intrinsicamente bom. Enquanto atividade complexa, é desprovida de qualidades morais e pode ser empregada por qualquer um que deseje veicular uma ideia no espaço público, seja na indústria tabagista, seja na defesa dos direitos humanos.
O lobby acontece em todos os Três Poderes, cada qual com sua particularidade e demandas específicas para o lobista. Conforme a função, estrutura e hierarquia dos órgãos variam, também se adapta o plano de persuasão política.
Neste texto, vamos pincelar rapidamente algumas táticas utilizadas no Poder Legislativo Federal. Passemos a elas.
Monitoramento legislativo
No Poder Legislativo, os profissionais do lobby costumam ter consigo um atento monitoramento legislativo para identificar vantagens e riscos políticos. Cuida-se do acompanhamento dos projetos e proposições em trâmite nas casas legiferantes, tanto em nível nacional quanto infranacional, a fim de identificar trabalhos convergentes com o grupo representado.
Essa avaliação não se limita ao mérito dos atos normativos, mas se investiga igualmente o momento da proposição, o andamento do processo legislativo, as propostas congêneres, bem como as emendas editadas sobre a proposta original.[2]
Para apreciar o impacto socioeconômico das alterações legislativas de maneira temática, é comum que a equipe de lobby conte com especialistas de diversas ciências (juristas, economistas, biólogos, etc). O resultado desse estudo multifacetado geralmente é apresentado em pareceres, publicações científicas ou na mídia comum contribuindo para compreensão completa do decisor público.[3]
Pesquisa, pesquisa e pesquisa.
Alberto Alemanno, professor New York University School of Law, aponta que uma pesquisa de fundo bem desenvolvida é pressuposto de qualquer estratégia de lobby.
Primeiramente, esse estudo prévio deve reunir (i) evidências detalhadas sobre a questão-problema, tais como “por que este tema merece atenção governamental” e “qual o impacto social decorrente da atual situação”.[4]
Em segundo lugar, deve apresentar (ii) argumentos que amparem a solução escolhida pelo grupo de interesse, indicando o que se propõe e por qual razão a alternativa apresentada é a melhor escolha possível em face de variáveis. Caso a resposta vise a alteração do cenário regulatório, orienta-se que ela seja acompanhada por uma análise de impacto econômico-social.
Por fim, a investigação deve expor (iii) precedentes de casos análogos na cena internacional, indicando como a resposta estrangeira enfrentou o tema e quais lições podem ser apreendidas desse histórico.
Ao trazer argumentos baseados em conhecimentos técnicos, estatísticas e dados precisos, o lobista fornece ao decisor público informações antes indisponíveis para motivar suas escolhas. Mas é possível, igualmente, que o grupo interessado opte por ventilar as informações obtidas no seio social, seja através de publicações científicas, seja por meio de pronunciamentos oficiais. Nesse caso, a estratégia varia entre os ditos white papers e position papers.
White papers e position papers
Os white papers são documentos orientados por uma pretensão analítica sobre uma questão-problema e obedecem à metodologia, formatação e linguagem adequadas à pesquisa científica, ainda que, ao final, defendam um posicionamento específico. [5]
Os position papers, por sua vez, são declarações produzidas dentro de determinado setor econômico para guiar as comunicações com o público externo, inclusive o governo. Às vésperas de uma decisão política relevante, é comum que o lobby formalize seu posicionamento na assessoria de imprensa, descrevendo a questão, indicando os impactos no setor, apresentando a posição sobre o assunto e levantando possíveis argumentações. São, portanto, manifestações explicitamente parciais e que visam conferir unicidade e coerência aos grupos envolvidos.[6]
Lobby no processo legislativo
As técnicas de persuasão através de publicações difusas são usais para inserir o tema desejado na agenda legislativa e aproximar o assunto dos parlamentares. No entanto, quando o projeto de lei já se encontra redigido e inserido no processo legislativo, a atividade de lobby se altera
Distribuída a proposição legislativa à comissão temática, os lobistas terão a oportunidade de participar de audiências públicas, seminários e reuniões de trabalho, de modo a interagir com os legisladores, elevar o debate e apresentar as demandas sociais. Como as comissões se baseiam nos pareceres dos relatores, estes se tornam alvos privilegiados dos lobistas antes dos demais membros da comissão.[7]
Paralelamente, cria-se um monitoramento político, estruturado no mapeamento dos tomadores de decisão. Identificam-se os aliados, as lideranças políticas mais atuantes no Congresso Nacional bem como os atores-chave do governo.[8]
Há um criterioso cálculo de rede capaz de medir a influência entre diversos atores e identificar os clusters – pessoas com alta incidência de ligações entre si e que aceleram as trocas de informações.[9] Típico exemplo de cluster são os assessores de parlamentares.[10] As métricas consideram (i) o nível de centralidade e vizinhança dos policy makers, (ii) a capacidade de influência de determinado indivíduo ou agremiação, bem como (iii) os custos agregados na mudança de opinião, em termos de compromisso político.
Nem tudo é lobby
O processo de decisão política é de elevada complexidade e possui inúmeras variáveis. Por mais que o lobista tenha técnica impecável, carisma incomparável e inteligência profunda, o resultado pode sair às avessas do que se propôs.
Isso porque os agentes políticos não são figuras passivas, que aguardam a modulação pelos interesses privados. Ao contrário, possuem convicções fortes, ideologias, experiências pessoais e valores próprios.
O timing também é determinante no processo de formulação política. Estratégias que tentem elevar benefícios fiscais diante de uma crise orçamentária dificilmente terão êxito, simplesmente porque não são oportunas.
Entre as fortes personalidades dos parlamentares e o volátil contexto social, há espaço para o lobby.
Conclusão
Esta breve análise pontuou algumas das ferramentas de lobby utilizadas no Poder Legislativo. Trata-se de pílula informativa em face do que desenvolvi ao longo de minha dissertação de mestrado e de minha experiência pessoal. Caso o leitor/ a leitora tenha se interessado pelo conteúdo ou deseje marcar uma consulta sobre relações governamentais, envie um e-mail para contato@martinelliguimaraes.com.br.
[1] MIHUT, Liliana. Lobbying in the United states and the European Union. Romanian Journal of European Affairs, v. 8, n. 4, p. 5 – 17, nov. 2008, p. 6.
[2] OLIVEIRA, Andréa Cristina de Jesus. O lobbying institucional no Brasil: canal de comunicação entre Estado e sociedade civil? Cenários da comunicação, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 57-64, 2007, p. 61.
[3] MANCUSO, Wagner Pralon; GOZETTO, Andrea Cristina Oliveira. Lobby e políticas públicas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018, p. 50-60.
[4] ALEMANNO, Alberto. Lobbying for change: find your voice to create a better society. London: Icon Books Ltd, 2017, p. 133-140.
[5] GALAN, Gilberto. Relações governamentais e lobby: aprendendo a fazer. São Paulo: ABERJE, 2012, p. 62-66.
[6] GALAN, Gilberto. Relações governamentais e lobby: aprendendo a fazer. São Paulo: ABERJE, 2012, p. 62-66.
[7] MANCUSO, Wagner Pralon; GOZETTO, Andrea Cristina Oliveira. Lobby e políticas públicas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018, p. 55.
[8] OLIVEIRA, Andréa Cristina de Jesus. O lobbying institucional no Brasil: canal de comunicação entre Estado e sociedade civil? Cenários da comunicação, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 57-64, 2007, p. 61.
[9] RAUEN, André Tortato; MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. Eficiência coletiva em clusters industriais: análise do setor químico da Microrregião de Criciúma em SC. Ensaios FEE, v. 29, n. 1, p. 267-292, 2008, p. 270.
[10] CESÁRIO, Pablo Silva. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. In: Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, set. 2016, p. 110.
Sócio-fundador da Martinelli & Guimarães Advocacia. Head das áreas de contencioso cível, Imobiliário, Terceiro Setor e Relações Governamentais. Mestrando em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED).
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