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Propaganda e Publicidade Médica: Responsabilidade, Ética e Limites nas Mídias Sociais

Na era digital, médicos, clínicas e consultórios enfrentam um dilema: como divulgar seus serviços de forma atrativa sem violar normas éticas e legais? Redes sociais, sites, plataformas de telemedicina e aplicativos de agendamento tornaram-se essenciais na comunicação com pacientes. No entanto, cada publicação precisa estar em conformidade com o Código de Ética Médica e com a Resolução CFM nº 2.336/2023.

O desafio vai além do marketing: envolve responsabilidade civil, ética profissional e proteção jurídica. Uma postagem inadequada pode gerar sindicâncias nos Conselhos Regionais de Medicina, processos éticos e até ações judiciais por publicidade enganosa.

Por isso, planejamento, conhecimento das normas e assessoria preventiva são indispensáveis para proteger a reputação do profissional e da instituição. A solução é equilibrar visibilidade e credibilidade, transmitindo confiança ao público-alvo e garantindo que a comunicação digital seja uma ferramenta de crescimento, e não de risco.

Publicidade x Propaganda Médica: entenda a diferença

Para médicos, clínicas e consultórios, compreender a distinção entre propaganda e publicidade médica é essencial:

  • Publicidade médica: refere-se à divulgação de informações sobre o próprio profissional ou serviço, como especialidades, qualificações, estrutura da clínica e recursos tecnológicos.
  • Propaganda médica: relaciona-se à divulgação de conteúdos que promovam a medicina ou orientem o público, como campanhas educativas, dicas de saúde, prevenção de doenças e conscientização sobre tratamentos.

Enquanto a publicidade visa atrair pacientes, a propaganda tem foco educativo. No contexto jurídico, essa diferenciação é fundamental, pois muitas infrações junto ao CRM decorrem do uso inadequado de termos, imagens ou formatos de divulgação, que podem ser interpretados como promessa de resultados ou publicidade enganosa.

Responsabilidade pelas publicações

No ambiente digital, médicos, clínicas e consultórios precisam entender que cada publicação nas redes sociais, sites ou materiais de marketing é de responsabilidade direta do profissional ou da instituição que a veicula.

  • Médico: É responsável por qualquer conteúdo que divulgue, mesmo que use imagens de terceiros ou repostagens. Caso uma postagem viole normas éticas, o profissional pode responder perante o CRM.
  • Clínicas e consultórios: Também são responsáveis pelas publicações feitas em seus perfis institucionais ou em campanhas conjuntas. Isso inclui anúncios de serviços, divulgação de valores de consultas ou uso de imagens de pacientes. A responsabilidade jurídica recai tanto sobre o diretor técnico quanto sobre a instituição como um todo.
  • Terceiros e colaboradores: Mesmo quando um social media, agência de marketing ou consultor gerencia o conteúdo, a responsabilidade final é do médico ou da clínica. Ainda que o profissional médico delegue a produção do conteúdo publicitário a terceiros, sua responsabilidade é indelegável. É essencial que haja uma cuidadosa  aprovação e revisão  antes de cada publicação.

Do ponto de vista jurídico, a prevenção é primordial. Recomendamos  que clínicas e profissionais estabeleçam políticas internas de revisão de conteúdo, garantindo que toda propaganda e publicidade médica esteja de acordo com a Resolução CFM nº 2.336/2023 e com o Código de Ética Médica, evitando sanções, processos éticos ou danos à reputação.

Publicidade médica: ética, técnica e responsabilidade

A propaganda e publicidade médica deve sempre conciliar o marketing com a ética profissional. Médicos, clínicas e consultórios têm o direito de divulgar seus serviços, mas com limites estabelecidos pelo CFM e pelo Código de Ética Médica.

Os pilares fundamentais são:

  • Ética: evitar autopromoção exagerada, prometer resultados, preservar anonimato e privacidade dos pacientes.
  • Técnica e Clareza: apresentar informações verdadeiras, divulgar especialidades e qualificações (com RQE quando aplicável) e serviços de forma precisa; explicar procedimentos, indicações e limitações sem sensacionalismo. 
  • Responsabilidade jurídica: qualquer material publicado, redes sociais, sites, anúncios físicos, é de responsabilidade do profissional. Reposts e depoimentos de pacientes também se enquadram nessa regra.

Boas práticas incluem revisão prévia do conteúdo, autorizações formais e registro das aprovações. Com isso, médicos e clínicas podem preservar sua reputação, evitar sanções éticas e legais e fortalecer sua presença digital de forma segura e estratégica.

Cuidados práticos para evitar infrações

Para médicos, clínicas e consultórios, prevenir infrações éticas e legais é fundamental. Pequenos descuidos na comunicação, especialmente nas redes sociais, podem gerar sanções éticas e comprometer a credibilidade profissional. Alguns erros comuns, conforme o rol de incisos do artigo 11 da Resolução CFM nº 2.336/2023, que devem ser evitados:

  • Promessa de resultados: publicar fotos ou vídeos com a sugestão de resultados garantidos; usar termos como “cura garantida”, “resultado perfeito” ou “único método eficaz”.
  • Autopromoção exagerada: usar superlativos para descrever habilidades, técnicas ou serviços (“o melhor”, “o único capacitado”); comparar sua clínica com concorrentes de forma pejorativa.
  • Exposição de pacientes: publicar imagens ou vídeos sem consentimento formal; divulgar procedimentos identificáveis, mesmo em posts educativos.
  • Conteúdos sem respaldo científico: divulgar tratamentos, técnicas ou produtos sem comprovação científica; recomendar uso de medicamentos ou insumos fora de protocolos reconhecidos.
  • Publicidade de produtos e serviços não permitidos: anunciar medicamentos, órteses, próteses ou alimentos sem registro da Anvisa; expor marcas comerciais ou associar-se a premiações como “melhor médico”.

O CFM já decidiu pela interdição cautelar parcial do exercício da medicina, especialmente quando há indícios de publicidade médica irregular ou uso e divulgação de técnicas não reconhecidas cientificamente.

EMENTA: EMENTA RECURSO EM INTERDIÇÃO CAUTELAR. RECURSO AO PLENO DO CFM. PRELIMINARES. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA INTERDIÇÃO CAUTELAR. CITAÇÃO. AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO. FUNDAMENTAÇÃO. REJEIÇÃO. MANUTENÇÃO DA INTERDIÇÃO CAUTELAR PARCIAL DO EXERCÍCIO DA MEDICINA. […] ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Conselheiros membros do Pleno do Tribunal Superior de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina em conhecer e negar provimento ao recurso interposto pelo apelante/interditado. Por unanimidade, foi mantida decisão do Conselho de origem, que lhe aplicou a INTERDIÇÃO CAUTELAR PARCIAL do exercício da medicina, com a desinterdição da publicidade dos aparelhos expostos nas publicidades analisadas, inclusive a divulgação do conteúdo de seu portfólio, ficando proibido o uso de imagens que induzam a promessa de resultados e a aplicação e divulgação de imagem e publicidade das técnicas analisadas, assim como a ministração de cursos para capacitar os médicos da aplicação dessas técnicas enquanto sua aplicação não estiver chancelada por pesquisas robustas e autorizadas para uso corrente pelo CFM, conforme artigo 7º da Lei 12.842/13, nos termos do voto do conselheiro relator. Brasília, 30 de maio de 2023. JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO Presidente da Sessão EMMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTI Relator PUBLICAÇÃO: PUBLICADO NO DOU em 03/07/2023, SEÇÃO 1, PÁGINA Nº 241.CRM-SP 001230/2023, RECURSO EM INTERDIÇÃO CAUTELAR, Pleno – CFM, RELATOR: EMMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTI – AL

Dessa forma, manter uma postura ética e prudente na comunicação digital garante que a imagem do médico e da clínica reflita profissionalismo, respeito e segurança. Cumprir as normas do CFM não apenas evita sanções, mas também consolida a confiança do público e promove uma prática médica transparente e responsável.

Checklist para a publicidade médica

Seguir um checklist estruturado ajuda a garantir que toda divulgação esteja em conformidade com a Resolução CFM nº 2.336/2023 e evita infrações éticas ou legais. Se a publicação for feita por médico autônomo ou por clínica ou consultório, os seguintes elementos devem se fazer presentes:

  • Médico autônomo: nome completo; CRM do(s) estado(s) de atuação; identificação da profissão ‘médico(a)’; especialidade e número do RQE (se houver divulgação de especialidade).
  • Clínicas ou Consultórios: nome do estabelecimento; número de registro do estabelecimento no CRM; nome do diretor técnico médico; CRM e RQE do Diretor Técnico Médico (se houver divulgação de especialidade).

A indicação de especialidade não registrada perante o Conselho Regional de Medicina também é passível de sanção:

EMENTA PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. PRELIMINARES. NULIDADE RELATIVA . NÃO PREJUDICIAL DO MÉRITO. QUEBRA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INCOMPETÊNCIA. MÉRITO . REJEIÇÃO. INFRAÇÃO AO ARTIGO 114 DO CEM DE 2018 (RESOLUÇÃO CFM Nº 2.217/18). É VEDADO AO MÉDICO: ANUNCIAR TÍTULOS CIENTÍFICOS QUE NÃO POSSA COMPROVAR E ESPECIALIDADE OU ÁREA DE ATUAÇÃO PARA A QUAL NÃO ESTEJA QUALIFICADO E REGISTRADO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA . MANUTENÇÃO DA SANÇÃO DE “ADVERTÊNCIA CONFIDENCIAL EM AVISO RESERVADO”. I- Não houve qualquer quebra do devido processo legal, pois no Termo de Ajustamento de Conduta – TAC já constava cláusula expressa de que o médico deveria “adequar as suas propagandas e/ou exposições em mídias sociais e qualquer outro tipo de mídia às resoluções do CEM”. II- Está dentro da análise de mérito a suposta falta de competência dos Conselhos de Medicina, vez que é necessária a análise dos fatos para avaliar justamente se o suposto delito ético é ou não uma questão da ética médica. III- A Publicidade Médica encontra-se disciplinada no Código de Ética Médica e tem tipificação normativa, sendo a disciplina da matéria da Competência do CFM, à luz do artigo 2º da Lei n . 3.268/57. IV- Comete ilícito ético o médico que anuncia as especialidades de nutrologia e medicina preventiva sem ter as respectivas especialidades registradas em seu Conselho. V-Recurso De apelação conhecido e negado provimento.
(CFM – RECURSO AO PEP: 006902/2022 CRM-PE, Relator.: RÉGIA MARIA DO SOCORRO VIDAL DO PATROCINIO – CE, Data de Julgamento: 23/11/2022, Câmara – CFM, Data de Publicação: PUBLICADO NO DOU em 23/11/2022, SEÇÃO 1, PÁGINA Nº 141)

Nesse sentido, em se tratando de pós-graduação, a Resolução CFM nº 2336/2023, autoriza a divulgação da pós-graduação, desde que acompanhada da expressão “MÉDICO (A) com pós-graduação em (…) – NÃO ESPECIALISTA”, em caixa alta, garantindo a transparência ao consumidor. Tal aspecto já foi objeto de discussão no âmbito judicial, tendo sido decidido que:

DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E DA SAÚDE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÍTULO DE ESPECIALIDADE MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A RESIDÊNCIA MÉDICA OU TÍTULO DA AMB . RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 1/2018. REGISTRO DE QUALIFICAÇÃO DE ESPECIALISTA (RQE). RESOLUÇÃO CFM Nº 2.336/2023 . AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME […] IV . DISPOSITIVO E TESE Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado. Tese de julgamento: 1. A certificação de especialidade médica no Brasil decorre apenas de Residência Médica reconhecida pela CNRM ou de exame de sociedades médicas filiadas à AMB . 2. O certificado de pós-graduação lato sensu não equivale a título de especialidade médica e não autoriza o registro de qualificação de especialista (RQE). 3. A pós-graduação lato sensu pode ser divulgada pelo médico, desde que observada a exigência da Resolução CFM nº 2 .336/2023, com a indicação expressa de que não se trata de especialidade. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XIII; Lei nº 3.268/1957, art . 17; Lei nº 6.932/1981, arts. 1º, §§ 1º a 5º; Decreto nº 8.516/2015; Resolução CNE/CES nº 1/2018, art . 8º, § 4º; Resolução CFM nº 2.336/2023. (TRF-6 – AI: 60046929120244060000 MG, Relator.: CRISTIANE MIRANDA BOTELHO, Data de Julgamento: 08/10/2025, Data de Publicação: 16/10/2025)

Também é importante considerar:

  • Todo conteúdo deve priorizar educação em saúde e informação precisa. 
  • Evitar termos promocionais, sensacionalistas ou de autopromoção.
  • Obter autorização formal do paciente, quando necessário.
  • Garantir anonimato e preservar privacidade.
  • Fotos de “antes e depois” devem incluir possíveis complicações e evolução, sem manipulação digital.
  • Todo material deve ter embasamento científico.
  • Evitar recomendações de técnicas, medicamentos ou procedimentos sem comprovação reconhecida.
  • Evitar comparações com outros profissionais ou instituições.

Este checklist apresenta algumas recomendações para que médicos, clínicas e consultórios reduzam riscos de penalidades éticas e aumentem a credibilidade de sua comunicação digital por meio de propaganda e publicidade médica.

A análise jurídica preventiva garante a ética e segurança como base da presença digital

A presença digital é hoje uma ferramenta estratégica indispensável para médicos, clínicas e consultórios, permitindo ampliar o alcance, aproximar-se de pacientes e divulgar serviços de maneira educativa. Contudo, essa visibilidade deve ser construída sobre pilares sólidos de ética, responsabilidade e segurança jurídica.

Seguir as normas do CFM, do Código de Ética Médica e de legislações complementares, como a LGPD, não é apenas uma obrigação, mas também uma forma de proteger a reputação profissional e institucional, evitando infrações, sanções ou questionamentos éticos.

A análise jurídica preventiva, realizada por profissionais especializados, garante que cada publicação, campanha ou peça publicitária esteja estritamente alinhada com as regras vigentes, permitindo que médicos e clínicas ou consultórios comuniquem seu trabalho de forma segura e estratégica.

Em outras palavras, ética e segurança devem ser a base da presença digital médica. Com orientação adequada, por meio da propaganda e publicidade médica é possível alcançar pacientes, educar a sociedade e fortalecer a imagem profissional, sem comprometer a responsabilidade ética e legal que a prática da medicina exige.

Referências:

Resolução CFM nº 2.336/2023: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2023/2336

Advogada no escritório Martinelli & Guimarães. Doutoranda em Políticas Públicas pela UFPR. Mestre em Direito pela UFPR. Pós-graduada em Direito Internacional e Direitos Humanos pela PUC Minas. Graduada em Direito pelo Unicuritiba. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Sistemas de Direitos Humanos NESIDH-UFPR.

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