A celebração de pactos antenupciais é uma prática comum entre casais que desejam estabelecer regras específicas sobre o regime de bens que regerá sua relação conjugal. A questão se torna ainda mais importante, quando se trata de pactos firmados no exterior por um brasileiro e um estrangeiro, uma vez que surgem questões jurídicas complexas relacionadas a sua validade e eficácia.
No ponto, busca-se entender como esses pactos são reconhecidos e aplicáveis no Brasil, especialmente no caso de sucessão de bem imóvel no brasil, considerando as disposições legais nacionais e os princípios do direito internacional privado.
Para isso, o artigo analisa o pacto antenupcial a partir de um caso concreto.
O que é um Pacto Antenupcial?
Um Pacto Antenupcial, também entendido como Contrato pré-nupcial, ou “prenup”, é um instrumento legal celebrado entre duas pessoas antes do casamento, visando estabelecer as regras que regem a relação, especialmente quanto ao regime de bens que rege a sua união conjugal, permitindo a criação regimes de bens individualizados de acordo com as suas necessidades e interesses, desde que não contrariem as normas jurídicas de onde serão aplicados.
Esse tipo de convenção possui natureza jurídica contratual e, embora não seja obrigatório, o instrumento é recomendado para aqueles que desejam estabelecer regras específicas sobre a divisão dos bens adquiridos antes, durante e depois do casamento, e/ou a gestão e disposição desses bens.
Assim, o conteúdo do Pacto Antenupcial pode variar conforme a vontade dos cônjuges, desde que não sejam violados os princípios da ordem pública e dos direitos fundamentais. No ponto, os regimes de bens mais comuns estabelecidos por acordos pré-nupciais são: comunhão parcial de bens, comunhão geral de bens, separação total de bens e eventual participação em aquestos.
No Brasil, o acordo pré-nupcial deve ser celebrado perante tabelião por meio de escritura pública e posteriormente registrada no cartório de registro de imóveis (se houver imóveis). Essa formalidade é necessária para tornar o contrato válido e público, garantindo sua validade perante terceiros. Ressalte-se que a convenção não pode ser contrária à lei nacional, aos bons costumes e à ordem pública.
Quando haverá a necessidade de um Pacto Antenupcial?
Inicialmente, é importante destacar que não apenas o reconhecimento e a validade desses pactos têm implicações significativas nas relações patrimoniais e sucessórias dos cônjuges, como também a proteção dos direitos e interesses dos indivíduos envolvidos requer uma análise minuciosa das leis nacionais e internacionais que regem a matéria, assim como a consideração de tratados e convenções internacionais pertinentes
Assim, cada situação será diferente, visto que envolve regimes jurídicos diferentes, que dependeram tanto da nacionalidade dos envolvidos, como do local em que residem – ou pretendem residir – e do local em que o Pacto Antenupcial e o Matrimônio é firmado.
Para melhor exemplificarmos a discussão proposta, imaginemos então um cenário de um(a) brasileiro(a) tem a intenção se casar com um(a) americano(a). Ambos possuem patrimônio, bens imóveis e filhos de outras relações, de modo que decidem firmar o matrimônio sob o regime de separação total de bens, cujos efeitos perduram, inclusive, diante do evento morte de uma das partes. O casal, residente nos Estados Unidos, local em que também contraíram o matrimônio e celebraram o “prenup”, em perfeita conformidade com as normas estrangeiras dos EUA.
Nesse cenário, vamos ainda supor que as partes decidem por renunciar expressamente qualquer pleito sobre os bens do cônjuge em caso do evento morte, incluindo a determinação de que qualquer bem de propriedade do eventual de cujus, adquirido antes ou depois do casamento sucederá conforme o testamento ou a legislação vigente no local de sua morte.
O que aconteceria nesse caso? Seria o prenup firmado nos EUA, em conformidade com a legislação americana, válido no Brasil? Se sim, qual a extensão dos seus efeitos? E, na hipótese da Sucessão dos imóveis em território nacional? Quais as normas a serem aplicadas nessa situação? O que pode ser feito?
Análise jurídica individualizada da situação
Nesse momento, insta ressaltar que as matérias de Direito Internacional Privado – ramo que se estuda as regras aplicáveis em questões jurídicas pessoais que possuam caráter internacional – são reguladas pelo Decreto-Lei nº 4.657/42, mais conhecido como Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro (LINDB).
Este, por sua vez, dispõe no art. 10 que “a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. Assim, em primeiro momento, seria possível estabelecer que, estando o(a) brasileiro(a) domiciliado(a) nos Estados Unidos no momento do evento morte, a sua sucessão reger-se-ia pelas normas daquele país, mais especificamente do Estado em que a pessoa faleceu.
Não obstante, o referido Decreto-Lei, em seu art. 12, § 1º, dispõe expressamente que “só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas aos imóveis no Brasil”. De modo que, na hipótese de envolver imóveis em território brasileiro, caberá à autoridade judiciária brasileira julgar e deliberar sobe a matéria.
Rememora-se que o artigo 10 da LINDB determina que a sucessão por causa mortis obedece à lei do país em que era domiciliado o de cujus, com exceção no entanto, dos bens situados no Brasil, os quais devem seguir as normas brasileiras, por força do art. 12, §1º, da LINDB.
A própria LINDB, em seu art. 17, dispõe que os atos e declarações de vontade feitas em outro país não terão validade no Brasil quando violarem a ordem pública. Especificamente no caso em análise, o direito à herança integra o conteúdo da ordem pública, posto de previsto na Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXX.
Nesse mesmo sentido, o Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.829, dispõe que a sucessão legítima se defere na ordem seguinte: aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Destaca-se, também, que o ordenamento jurídico brasileiro não admite a renúncia antecipada ao direito de herança, conforme preceitua o artigo 1.804 do Código Civil. No ponto, o artigo 1.831 do Código Civil assegura ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
De tal modo, tem-se que o concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convecção em sentido contrário, especialmente visto que esse regime não foi arrolado como exceção no inciso I do art. 1.829 da codificação cível.[1]
CONCLUSÃO
Assim, por mais que a experiência americana possibilite que os pactos antenupciais incluam provisões específicas pós-morte do cônjuge, a exemplo do Florida Uniform Premarital Agreement Act[2], e que estas prevaleçam, inclusive, em detrimento da sucessão legal que a rigor seria aplicável[3], os efeitos do mesmo não se estendem à realidade brasileira, mesmo que assim tenham pactuado entre as partes, quando a matéria envolve a sucessão e partilha de bens imóveis no Brasil.
Ressalva-se, no entanto, que a incomunicabilidade do patrimônio estabelecida pelo regime de separação convencional somente perde seus efeitos na hipótese da concretização do evento morte de um dos cônjuges.
Em outras palavras, o acordo pré-nupcial é plenamente válido para regular a partilha de bens após o divórcio, mas não resolve a questão da sucessão
Portanto, em que pese as partes tenham contratualmente pactuado a separação legal dos bens, inclusive na hipótese de morte de um dos cônjuges, tendo em vista que a cláusula viola a ordem pública, o cônjuge sobrevivente deverá ser considerado herdeiro necessário na sucessão patrimonial em relação aos bens imóveis em território brasileiro, podendo recorrer à autoridade judiciária brasileira, para tanto.
[1] Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
[2] Florida Statutes Title VI. Civil Practice and Procedure § 61.079. Premarital agreements, (a), 3: “The disposition of property upon separation, marital dissolution, death, or the occurrence or nonoccurrence of any other event”.
[3] Wiil & Prenup “Which Document Takes Priority After a Death? Of the two documents, a prenup is the one more likely to take priority, assuming it was negotiated fairly, after the death of spouse. Although one of the spouses may have died, the prenuptial agreement is still binding if the other party to the agreement is still alive to receive the property. Prenups may also include forum selection clauses. This declares which state laws will apply should the agreement be opposed. In essence, the surviving party of the prenuptial agreement can have the prenup enforced in any state that recognizes the legitimacy of the agreement. Wills, however, cannot contain those clauses”. Disponível em: https://brooklyntrustandwill.com/wills-prenups-takes-priority/
Head de Privacidade e Proteção de Dados e Advogada do Consultivo no Martinelli & Guimarães Advocacia Contemporânea. Mestranda em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela PUCRS. Mentorada do 8º ciclo de Mentorias do Women in Law Mentoring (WLM). Membro da Direitoria de Articulação do WICADE (WIA-CADE). Membro da Associação Norte-Nordeste de Direito Econômico (ANNDE). Pesquisadora do Laboratório Internacional de Investigação em Transjuridicidade (LABIRINT). Bacharela em Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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