Com a Era da Informação cada vez mais presente, as crianças são inseridas de maneira natural ao universo digital, seja por meio de plataformas ou aplicativos. É inegável que o ramo de produtos voltados para o público infantil tem crescido exponencialmente e se tornado cada vez mais precoce. De modo que a análise de como se dá o tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes na LGPD se mostra essencial.
Segundo o resumo executivo de 2019 do TIC Kids Online Brasil, quase nove em cada dez crianças e adolescentes, entre as idades de 9 a 17 anos são usuários ativos na Internet. Isso representa 89% da população infantil, correspondendo a aproximadamente 24,3 milhões de crianças e adolescentes em todo o país. Trata-se de uma expressiva parcela da população, que pode estar, inconscientemente, fornecendo suas informações de maneira indiscriminada.
Não obstante à pouca idade, é evidente a hiperconectividade, a datificação e o tratamento de dados de crianças e adolescentes no contexto atual. Tendo em vista esse cenário, e o dever de garantir com a absoluta prioridade os direitos fundamentais dos menores, como dispõe no artigo 227 da Constituição Federal, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) dispôs especificamente sobre o tratamento de dados pessoais de Crianças e Adolescentes.
O tratamento dos dados pessoais de Crianças e Adolescentes conforme a LGPD
A LGPD, em seu artigo 14, tratou, de modo específico, dos dados pessoais das crianças e adolescentes. Desse modo, conforme a Lei, o tratamento só pode ocorrer visando o melhor interesse do menor. Ao falar de “melhor interesse”, a Lei de Dados teve como objetivo remeter ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e à Constituição Federal, de modo que estes devem ser utilizados como ferramentas interpretativas para a LGPD, em matéria que remete ao tratamento de dados dos menores.
Reforçando o entendimento a respeito do melhor interesse da criança, tem-se a “Considerando 38” da General Data Protection Regulation (GDPR), a qual expressamente dispõe que: “As crianças merecem proteção especial quanto aos seus dados pessoais, uma vez que podem estar menos cientes dos riscos, consequências e garantias em questão e dos seus direitos relacionados com o tratamento dos dados pessoais (…)”
Assim, os direitos de criança e de adolescentes devem ser assegurados com absoluta prioridade, de modo a garantir o pleno desenvolvimento da criança, resguardando a sua integridade física, psicológica, moral e a sua dignidade humana.
Além disso, outro aspecto a ser observado é o consentimento, uma vez que este configura condição necessária no tratamento de dados pessoais. No entanto, o consentimento precisa ser específico e em destaque fornecido por pelo menos um dos pais ou pelo representante legal.
Nos termos da LGPD, a dispensa de consentimento só pode ocorrer em duas hipóteses. A primeira é quando a coleta for necessária para contatar os pais ou o responsável, podendo as informações serem utilizadas apenas uma vez, e para essa finalidade. Não se admite, portanto, o armazenamento desses dados pessoais.
A segunda, são nos casos em que se tenha em vista a sua proteção da criança e do adolescente. Entretanto, deve-se ter em mente que essa finalidade precisa ser legítima, necessária e evidente, buscando-se empregar meios adequados, o menos invasivo possível, para assegurar essa proteção. Insta ressaltar que sob nenhuma hipótese os dados poderão ser repassados a terceiros sem o consentimento expresso (art. 14, § 3° da LGPD).
Responsabilidades dos controladores e limites no tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes
A LGPD dispôs uma série de deveres e limites aos controladores nas hipóteses de tratamento de dados pessoais dos menores. Como exemplo, tem-se que é dever do controlador empregar todos os esforços razoáveis a fim de verificar se o consentimento obtido foi dado pelo respectivo responsável, sendo consideradas, contudo, as tecnologias à sua disposição.
Além disso, a LGPD dispõe claramente que os controladores não podem condicionar a participação de crianças e adolescentes em jogos, aplicações de internet e outras atividades ao fornecimento de informações pessoais além das que são estritamente necessárias à atividade.
Nessa senda, tem-se a tentativa da Lei de minimizar a coleta informações pessoais dos mais vulneráveis, de modo que a coleta dos dados deve restringir-se somente ao estritamente necessário para a realização da atividade. Isso se dá tendo em vista que muitas aplicações condicionam o seu uso ao fornecimento de dados, muitas vezes sendo desnecessário. Assim, a LGPD buscou frear essa prática, de modo a considerá-la abusiva, mesmo que se tenha obtido o consentimento.
Por fim, todas as informações referentes aos tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos para o exercício de direitos do titular devem ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, tendo em vista, sobretudo, o dever de cuidado e transparência.
Para tanto, é exigido que as informações sejam adequadas à capacidade de compreensão do público a que se dirigem, devendo ser consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, além do uso de recursos audiovisuais quando adequado, de modo a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal e adequada ao entendimento da criança, conforme o §6° do art. 14 da LGPD.
CONCLUSÃO
Dessa forma, percebe-se que a LGPD buscou estabelecer maior segurança para as crianças e adolescentes, haja vista o acesso precoce a internet e os riscos que ela oferece, sendo uma grande evolução em questão de norma jurídica, em especial dos mais vulneráveis.
Assim, percebe-se que a norma buscou acompanhar a evolução dos interesses atuais e priorizar a segurança não só dos menores mas de toda a população. A Lei não apenas estabeleceu responsabilidades e limites ao tratamento de dados pessoais dos menores, como também reforçou as crianças e adolescentes como os respectivos titulares de seus dados pessoais. À vista disso, tem-se que toda a decisão voltada ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, deve visar o seu melhor interesse, e mesmo com o consentimento de um responsável, deve-se respeitar as suas vontades pessoais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
_______. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 29 de julho de 2021
________. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.html. Acesso em: 29 de julho de 2021
Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho (General Data Protection Regulation). Disponível em:
Head de Privacidade e Proteção de Dados e Advogada do Consultivo no Martinelli & Guimarães Advocacia Contemporânea. Mestranda em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela PUCRS. Mentorada do 8º ciclo de Mentorias do Women in Law Mentoring (WLM). Membro da Direitoria de Articulação do WICADE (WIA-CADE). Membro da Associação Norte-Nordeste de Direito Econômico (ANNDE). Pesquisadora do Laboratório Internacional de Investigação em Transjuridicidade (LABIRINT). Bacharela em Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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Amanda Cavallarohttps://martinelliguimaraes.com.br/author/amanda-cavallaro/
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