A Responsabilidade Civil dos Influencers Digitais em virtude do crescimento exponencial das redes sociais ao longo dos anos, cumulado com o aumento do acesso à internet, trouxe diversas consequências para a economia e para as relações de consumo.
O uso das redes sociais pelos brasileiros
De acordo com um estudo divulgado pela plataforma “Cupom Válido”, o Brasil figura como o 3º país que mais utiliza redes sociais no mundo, com uma média diária de 3 horas e 42 minutos por dia. Além disso, segundo o relatório TIC Domicílios de 2020, o Brasil possui 152 milhões de usuários de internet, o que corresponde a 81% da população do país com 10 anos ou mais[1].
É evidente que, desde 2015, as atenções que anteriormente eram voltadas para a TV, rádio e outdoors passaram para a tela do celular ou computador. Com isso, o comportamento do consumidor também mudou e passou a ser mais influenciado pelas propagandas nas redes sociais.
A publicidade digital, então, surge como um instrumento que auxilia as marcas e o mercado digital, tendo em vista que, com maior acessibilidade a internet, torna-se mais fácil a aquisição de produtos.
Os influenciadores digitais no mercado de consumo
É nesse contexto que surgem os denominados “Influenciadores Digitais”. São “celebridades” do mundo digital que se destacam de diversas formas, por meio de blogs, redes sociais (Instagram, Facebook) ou por meio de plataformas de vídeo, como o YouTube, com o objetivo principal de angariar cada vez mais seguidores e promover marcas e produtos.
A forma de interação social empregada pelos influenciadores é capaz de modificar comportamentos, mentalidades e até mesmo gostos e opiniões. A técnica utilizada é mostrar seu estilo de vida, preferências, escolhas, etc., fazendo com que surja no usuário consumidor uma necessidade de também viver aquilo, haja vista a ótima experiência demonstrada pelo influencer.
Atualmente, o Brasil lidera o ranking de influência digital, ou seja, tornou-se o país mais impactado por influenciadores digitais, de acordo com o Statista Global Consumer Survey. Apenas em 2021, o número de usuários que adquiriu algum produto através do trabalho de influenciadores foi maior que 40%[2].
As redes sociais mais utilizadas nos dias de hoje para publicidade são o Instagram, Facebook, YouTube e TikTok. Com o crescimento cada vez maior dos influenciadores digitais nessas plataformas, as empresas passaram a investir nesse modelo de contratação para criação de conteúdo, com resultados cada vez mais positivos.
A confiança depositada nos influencers, juntamente com a inspiração no modo de comportamento, gera um efeito praticamente instantâneo assim que uma foto ou vídeo é postado indicando um produto ou serviço.
Órgãos de fiscalização
O controle da publicidade digital é feito tanto pelo Estado, quanto pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que deve zelar pela comunicação social e atuar a favor da ética publicitária.
Caso um consumidor se sinta lesado, o CONAR, em sua plataforma, disponibiliza a opção de realizar uma denúncia, que será julgada por uma das oito Câmaras do Conselho de Ética. Sua função como órgão julgador é impedir publicidades enganosas ou abusivas e corrigir desvios presentes nos anúncios.
O CONAR, todavia, não possui função de aplicar multas, exigir reembolso de valores e substituir mercadorias, pois seu foco é dar recomendações aos anunciantes.
Em 2019, o órgão lançou um “Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais”, com o intuito de apresentar orientações para os influenciadores digitais para agirem de acordo com as regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor [3].
A Responsabilidade Civil dos Influencers Digitais por publicidade indevida
Dentro dessa perspectiva, há de se falar também em como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil Brasileiro regulam os influenciadores no que tange à responsabilidade civil existente acerca da publicidade.
Inicialmente, cumpre ressaltar que, pelo Código de Defesa do Consumidor, o influencer digital é considerado fornecedor por equiparação. Dessa maneira, ele se torna parte da relação jurídica de consumo, uma vez que serviu como intermediário para a realização da relação principal.
Nesse sentido, é possível abordar a questão da responsabilidade quando se trata da publicidade de um produto ou serviço, ou quando se verifica a existência de um fato ou vício do produto ou serviço.
Antes do “boom” da publicidade digital, os chamados “publiposts” eram comumente utilizados pelos influenciadores. Contudo, a divulgação ocorria de forma oculta, isto é, os seguidores não possuíam conhecimento de que se tratava de um anúncio publicitário com a intenção impulsionar a venda de um produto/serviço.
Com o crescimento desta forma de divulgação, a publicidade oculta passou a ser configurada como ilícita juntamente às publicidades enganosas e abusivas, por afrontar diretamente o princípio da identificação publicitária.
Logo, quando a responsabilidade civil é tratada na perspectiva de uma publicidade ilícita – seja por ocultação ou por ser enganosa e abusiva, é configurada a prática de um ato ilícito, violador da boa-fé objetiva. Basta a veiculação da publicação na rede social para que haja a caracterização, sem necessitar, portanto, da aquisição do que está sendo anunciado.
Nesses casos, o influenciador digital poderá ser responsabilizado, tendo em vista que ao realizar uma divulgação, está assumindo a posição de garantidor em face dos produtos e serviços indicados. Ademais, sua confiabilidade agrega um comportamento persuasivo no consumidor, gerando segurança.
O CDC, considerando a vulnerabilidade do consumidor, estabeleceu a responsabilidade objetiva do causador do dano, com base na teoria do risco (igualmente presente no art. 927 do Código Civil), que expressa que todo aquele que fornece um produto ou serviço no mercado de consumo auferindo lucro deverá responder por eventuais danos, independentemente de comprovação de dolo ou culpa.
Além disso, a legislação consumerista estabelece, no seu artigo 7º, parágrafo único, que a responsabilidade será considerada solidária entre todos os envolvidos na veiculação da oferta e possível reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Insta salientar que pequena parte doutrina entende que a responsabilidade seria subjetiva, argumentando que seria inadequado responsabilizar objetivamente um influencer que apenas contribuiu com a imagem, na divulgação. Todavia, a doutrina majoritária entende que a responsabilidade é objetiva, seguindo a teoria do risco estabelecida pelo CDC atrelado ao princípio da solidariedade.
Os professores Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves (2017, p. 222) entendem que quando se trata de responsabilidade civil de celebridades, destaca-se a teoria da aparência, valorizando-se ainda mais o princípio da boa-fé objetiva nas relações de consumo, principalmente quando há porcentagem pelas vendas realizadas. Salientam que muitas vezes o consumidor vulnerável adquire produtos ou serviços decorrentes da confiança pré-estabelecida no influencer.
Conclui-se, então, que em razão da confiança, da persuasão e boa-fé, em casos de publicidade ilícita o influenciador digital terá responsabilidade objetiva e solidária, pois, a partir do momento em que publicam fotos ou vídeos promovendo marcas, produtos ou serviços, estão colocando em jogo sua credibilidade e assumindo os riscos decorrentes desta atuação.
A Responsabilidade Civil dos Influencers Digitais por vício do produto ou serviço
Os casos de vícios do produto ou do serviço (art. 18 e 20 do CDC) podem ser caracterizados como de qualidade (desconformidade com a informação prestada) ou quantidade (diversidade no peso/medida).
Nesses casos, a responsabilidade deve ser observada de uma forma mais específica, com análise dos elementos do caso concreto. Se for um caso referente ao fato do serviço, a responsabilidade é considerada subjetiva, mas apenas para o profissional liberal.
Destaca-se aqui que o influencer digital não pode ser considerado profissional liberal, uma vez que para ser considerado liberal, o profissional deve ter formação técnica em determinado ramo ou área do conhecimento obtido por graduação ou curso técnico, ser registrado em um conselho de classe ou ordem e exercer suas atividades com autonomia e conhecimento. Os influencers, na grande maioria das vezes, são contratados por conta de fatores como beleza, número de seguidores e fama, não caracterizando, assim, os requisitos para se encaixarem como profissionais liberais.
No que tange aos vícios dos produtos e serviços, o CDC não estabelece uma diferença entre as espécies de fornecedores, o que nos leva a concluir que a responsabilidade nesses casos é objetiva, considerando alguns aspectos como o convencimento e a persuasão do consumidor, bem como o risco tomado por parte do influencer ao realizar determinada divulgação.
Casos paradigmáticos com Influenciadores Digitais
Em setembro de 2020, uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro repercutiu bastante na internet após condenar a influenciadora digital Virgínia Fonseca a indenizar uma de suas seguidoras, que, após assistir uma divulgação realizada pelo Instagram, decidiu comprar um Iphone 8 Plus da empresa indicada na publicação, mas nunca chegou a receber o produto [4].
Outro caso envolve o influenciador digital Kleber Moraes, que anunciou um sorteio em suas redes sociais de uma Picape avaliada em 150 mil reais, o que seria ilegal de acordo com a Polícia Federal [5].
Interessante também analisar alguns casos de influenciadores digitais julgados pelo CONAR.
Em abril de 2020, a influenciadora digital Tata Estaniecki Cocielo realizou uma propaganda para a Unidas, empresa brasileira de aluguel de veículos. A queixa que chegou ao CONAR foi feita por uma consumidora, que declarou que a propaganda não estaria claramente caracterizada, uma vez que teria sido utilizado o termo “#parceiros”, e não “publicidade”.
A defesa da influenciadora alegou que utilizou o referido termo por não se tratar de uma postagem remunerada. Contudo, reconheceu o erro e solicitou ao órgão qual seria a orientação correta para esse tipo de situação. O Relator do caso afirmou em seu voto “que a parceria como descrita pela influenciadora não a dispensa de mencionar que a postagem se trata de ação publicitária, uma vez que ela e a anunciante auferiram vantagens e toda a formatação da postagem remete à linguagem publicitária, sem contar que a rede social utilizada permite o uso da expressão “parceria paga com…”[6].
Já em setembro de 2021, o CONAR recebeu uma denúncia, também de uma consumidora, contra a propaganda realizada pela Basiqe Beauty e a influenciadora conhecida como Mari Maria. A seguidora declarou que o produto não condizia com a promessa de desconto em postagem. A defesa conjunta da marca e da influenciadora argumentou no sentido de que a publicidade estaria conveniente identificada, bem como que teria ocorrido um equívoco na forma de divulgação do desconto. O Relator não acolheu os argumentos da defesa, tendo em vista a ocorrência de publicidade deficiente. Votou pela sustação e advertência à Basiqe Beauty e Mari Maria [7].
Conclusões
Sendo assim, conclui-se que, com o aumento do acesso à internet e com a expansão das redes sociais ao longo dos anos, as escolhas dos consumidores foram sendo modificadas, principalmente pela figura dos influenciadores digitais. Essa nova relação entre influenciador e influenciado fez com que a legislação brasileira passasse a entender o influenciador como parte da relação jurídica de consumo, e, consequentemente, adquirisse responsabilidade pelas divulgações de produtos e marcas.
Há que se ter em mente que o consumidor sempre é considerado a parte vulnerável da relação de consumo, e que, o influenciador ao indicar produtos e serviços, irá impactar a vida dos seus seguidores, moldar seus comportamentos e motivar escolhas de consumo.
Assim, tem-se por base que, nos casos de publicidade ilícita, decorrentes da prática de atos contrários à lei, os influenciadores irão ser responsabilizados, respondendo solidariamente pelos danos causados aos consumidores, podendo esse ressarcimento atingir o âmbito individual e/ou coletivo.
Já no que tange à responsabilidade do fato do produto ou do serviço, vimos que deverá ser analisado o caso concreto para que se tenha uma resposta mais adequada e específica.
Por fim, os casos atuais de responsabilização civil dos influencers demonstram como o Código de Defesa do Consumidor e os órgãos de fiscalização se fazem necessários, pois suas medidas protetivas visam resguardar e garantir os direitos dos consumidores quando esses são desrespeitados.
[1] Disponível em https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2020_coletiva_imprensa.pdf
[2] Disponível em https://jornal.usp.br/atualidades/influenciador-digital-e-o-responsavel-por-40-das-compras-feitas-pelo-consumidor-brasileiro/#:~:text=Em%202021%2C%20o%20Brasil%20superou,feito%20por%20um%20%E2%80%9Cinfluencer%E2%80%9D.
[3] Disponível em http://www.conar.org.br/#
[4] Disponível em https://www.creativesite.com.br/blog/2020/09/01/influenciadora-digital-e-condenada-a-indenizar-seguidora/
[5] Disponível em https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/03/21/policia-civil-do-df-prende-influencer-que-promovia-rifas-de-carros-de-luxo.ghtml
[6] Disponível em http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=5459
[7] Disponível em http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=5847
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm
https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2020_coletiva_imprensa.pdf
https://immakers.com/brasil-lidera-ranking-de-influencia-digital/
https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/6493/3396
https://economia.uol.com.br/faq/como-funciona-o-conar-para-que-ele-serve-como-fazer-uma-denuncia.htm
EFING, Antônio Carlos; BERGSTEIN, Laís Gomes; GIBRAN, Fernanda Mara. A ilicitude da publicidade invisível sob a perspectiva da ordem jurídica de proteção e defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 21, n. 81, p. 91-116, jan/mar. 2012.
GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antônio Carlos. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jurídica Cesumar janeiro/abril 2019, v. 19, n. 1, p. 72.
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Estagiária junto à Martinelli & Guimarães Advocacia
Diretora Cultural do Centro Acadêmico de Direito da PUCPR (2020-2022)
Participante do Grupo de Estudos de LGPD
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